Categoria: A Situação

do desigual acesso das classes à liberdade

Especula-se abertamente o nome da figura que executará a salvação nacional. Júdice volta aos seus tempos de antigamente e diz o que todo o bom burguês almeja. Na rua apoiam-se soluções de força, ignorando em falsa consciência que esta se exercerá sobre os reclamantes. O PS mantém as suas abstenções violentas, com o presidente a desmentir as suas posições.

A última greve geral teve momentos caricatos: à porta da Vimeca, em Queluz de Baixo, a polícia atuou sob as ordens dos capatazes, confrontando fisicamente o piquete por cada autocarro que saía. Ao longo da estrada principal montara barreiras para impedir a circulação de pessoas por outro local que não os passeios, impedindo assim cortes de estrada. Os mais jovens do piquete, afoitos, eram arrastados do chão pela força de segurança pública, cujo número não parava de aumentar e cujos desígnios eram sobejamente privados. Os poucos funcionários da empresa e os delegados sindicais que integravam aquele piquete popular queixavam-se das pressões enormes sobre os trabalhadores todos os dias e contavam o seguinte: a empresa empenhava-se naquela madrugada em colocar os autocarros na rua, mas a meio da manhã era expetável que em boa parte os mandasse recolher, pois arrastar-se-iam vazios por filas de automóveis.

Talvez a liberdade nas instituições de domínio de classe esteja a ser agora posta em causa. Mas dada a repressão que se abate sobre os trabalhadores, há muito que estes sentem que, no regime atual, ela não passa de uma ilusão. Com as consequências que daqui possam advir.

A salvação do capital e a suspensão da democracia burguesa

A crise política é uma narrativa muito apropriada para a consecução do programa neoliberal, ao ritmo atual, nem que seja por mais alguns meses. Talvez até ao fim do atual resgate financeiro.

Entenda-se que não partilho das ideias de conspiração ao mais alto nível do poder, com o objetivo de manter a austeridade. Penso antes que existe um alinhamento estratégico entre os partidos do memorando, como a votação das propostas do BE acerca da dívida anteontem demonstrou. Um alinhamento que também é simbólico no respeita à inepta condução dos papéis das figuras do Estado: antes Coelho e Portas, depois Cavaco, agora Esteves. Os seus atos descredibilizam as instituições eleitas, num clima de fin de régime mal decalcado da 1ª república.

Acontece que, presentemente, todo o tempo de destruição do Estado Providência é mais eficiente, em relação aos seus objetivos, do que a atitude de resistência que tivemos e teremos de adotar. Assim, há que perceber que a manutenção desta política, seja sob que forma for ou com que credibilidade governativa houver, tem implicações concretas no futuro do país. Ainda hoje saiu em Diário da República mais umas contribuições regulatórias tendo em vista a privatização do tratamento de resíduos. Esta política não está moribunda e não há, portanto, razões para comemorar o espetáculo de apodrecimento do governo.

Por fim, a “salvação nacional” não serviria para clarificar as posições dos partidos – de resto, a própria convocatória de Cavaco é dirigida só à troika interna, o arco de governação. O que se verifica é que o problema passou do Cavaco para o PS: este pretende continuar a jogar à alternância governativa quando o avanço do programa neoliberal exige a unidade dos dirigentes face ao descontentamento que grassa na população austerizada. Neste sentido, o PS não pode continuar à espera que o pote lhe caia no colo e a democracia liberal tem, assim, que ser “suspensa”. A bem da nação.

Cavaco – que, mais uma vez, se exime das suas responsabilidades – expôs a verdadeira face do regime-ilusão democrática.

O absurdo de haver mais casas vazias do que sem-abrigo

Nos Estados Unidos da América proliferam desde o início da chamada crise imobiliária as cidades tenda. Cálculos conservadores estimam que cerca de 2,2 milhões de devedores perderam suas casas por causa da crise hipotecária iniciada em 2007 [ver: 1 e 2]. Neste país ocorre uma situação absurda, pois há casas desocupadas suficientes para acomodar todos os sem-abrigos e mais os que perderam as suas casas,

Agora, em Portugal, surgem as notícias sobre os resultados definitivos dos últimos Censos e tivemos, este fim-de-semana, a oportunidade de ver uma reportagem sobre os dados estatísticos relativos à habitação [1].

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Em 2011 – segundo os Censos [link] – os alojamentos clássicos distribuíam-se do seguinte modo: 3 991 112 residências habituais, 1 133 300 residências secundárias ou de uso sazonal e 735 128 vagos, representando respetivamente 68,2%, 19,3% e 12,5% do parque habitacional.

Como se vê nas imagens da reportagem, existem considerados como barracas e improvisados 16.460 alojamentos. Não consegui achar informação que me esclarecesse o que seria exactamente alojamentos improvisados, mas recordo-me perfeitamente que no preenchimento dos papeis do Censos de 2011, alguém que vivesse numa gruta não era considerado como sem-abrigo. Talvez essa estrita definição de sem-abrigo esteja relacionado com o conceito de alojamento improvisado.

Em 2011 a dimensão média das famílias era de 2,6 pessoas, pelo que não estará muito errado concluir que cerca de 42.796 pessoas vivam em condições de habitação definidas como barracas ou alojamentos improvisados, além dos restantes 696 que ainda vivem acima das suas possibilidades.

Note-se novamente o absurdo:
Em Portugal existem 735.128 casas vazias ao mesmo tempo que cerca de 16.460 pessoas vivem em alojamentos precários e 696 são reconhecidos sem-abrigo.

Este absurdo leva-nos a questionar sobre os nossos valores. E surpreende-me que haja tanta gente que perante ocupações de prédios devolutos, defenda e sobreponha o direito à propriedade privada acima do direito humano e constitucional à habitação digna.

A esta situação absurda de haver sem-abrigos em simultâneo com milhares de casas vazias, Engels, em Para a Questão da Habitação, não faz qualquer referência explícita, nem faria sentido fazê-lo naquela época em que o problema fundamental era a falta de casas em relação à população das cidades. No entanto, ele como marxista vai à raiz do problema, tal como se pode ler nas citações transcritas no primeiro post, onde diz ele que “não pode existir sem falta de habitação uma sociedade em que a grande massa trabalhadora depende exclusivamente de um salário”, pois o salário tem a natureza que tem – não cabe a este post referí-la – e portanto a «solução [para a questão da habitação, como de qualquer outro problema dos operários] reside, sim, na abolição do modo de produção capitalista, na apropriação pela classe operária de todos os meios de vida e de trabalho».

Podem alguns afirmar que isto não é um problema de classe, mas a esses então pergunto se já viram algum burguês sem-abrigo? Por acaso, agora, lembrei que já vi um, tinha acabado de encornar a mulher, mas voltou a ter tecto no dia seguinte; nisto, e somente nisto, foi tal e qual como o próprio repetia: “foi coisa de uma só noite”.

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[1] Jornal da Noite, TVI, entre os 7 e os 9 minutos, aqui.

Portugal, hoje.

cliqueÁlvaro Cunhal faria hoje 98 anos. Sentimentos ambíguos tinha perante este homem. Lembro-me de não lhe ter grande afeição por aparentar ser frio e calculista, coerente com a imagem que tinha do que seria um soviético (!!), mas por outro lado, um homem corajoso, dedicado a uma causa nobre, herói antifascista que sempre lutara pela Liberdade e que me possibilitava estar então a estudar na escola o que foi o 25 de Abril – já agora, coerente com a imagem que tinha dum comunista. Hoje, a minha perspectiva de Álvaro Cunhal é diferente, a admiração é bem maior, porém confesso-me surpreendido por ele ser nesta fase do blog o autor mais referenciado, tal como se pode observar na barra lateral – o previsível era ser Marx ou Engels. É um sinal da sua importância no estudo do marxismo-leninismo, sobretudo para um português.

Em estilo de homenagem, transcrevo abaixo um excerto dum texto escrito por Álvaro Cunhal em 1994, publicado no blog Companheiro Vasco com as respectivas notas do Vasco. Faço-o pela pertinência que tem com a situação que vivemos no nosso país perante a U.E. (CEE à época).

Prefácio à 2ª edição (1994) de “A Revolução Portuguesa: o passado e o futuro”, de Álvaro Cunhal.

“(…)

Acompanhando as ofensivas antidemocráticas nestas quatro vertentes [económica, social, cultural e política], o governo de Cavaco Silva e do PSD sacrificam e submetem os interesses portugueses a interesses estrangeiros a troco de fundos da CEE que em grande parte são desviados dos seus declarados objectivos e metidos ao bolso de novos e velhos milionários, mas que apesar disso cobrem temporariamente carências graves e criam também temporariamente uma sensação de desafogo económico e financeiro.

Cavaco Silva, o governo, o PSD anunciaram que como resultado da acção do Governo, Portugal era o «oásis» da Europa, um país de «sucesso» em pleno desenvolvimento lançado como uma lebre no encalço da tartaruga da Europa.

A realidade é a progressiva destruição do aparelho produtivo (na agricultura, na indústria, nas pescas), a crise e a recessão económica geral. Sacrificam-se, comprometem-se e entregam-se ao capital estrangeiro empresas[1] e sectores básicos estratégicos e recursos e potencialidades materiais e humanas. Agrada-se a dívida do Estado. Agrava-se a balança comercial. Aumenta o distanciamento em relação aos países mais desenvolvidos em vez da «coesão económica» tantas vezes apresentada como objectivo em vias de ser atingido. São cada vez mais graves as limitações à independência e soberania nacionais pela aceitação servil, seguidista e capitulacionista do Tratado de Maastricht e da imposição a Portugal pelos países mais desenvolvidos de decisões supracionais contrárias a interesses vitais portugueses[2].

A continuar no poder Cavaco Silva e o governo de direita[3], Portugal corre o risco não só de ver substituída a democracia política por um regime autoritário de cariz ditatorial, mas também de um dia não muito distante, quando diminuir, como é inevitável e está previsto, o fluxo de fundos da CEE, ser mergulhado numa profunda crise de carências alimentares[4], energéticas[5], técnicas e tecnológicas para superar as quais uma solução será então extremamente difícil, na situação que está a ser criada.

A política do governo do PSD de destruição das conquistas e valores democráticos da Revolução de Abril é uma política que destrói recursos e potencialidades que vêm do passado, que provoca uma penosa crise no presente e que faz pesar sobre Portugal gravíssimas ameaças para o futuro.”

Notas minhas [do R.Vasco]:

[1] como por exemplo a Somincor, Sociedade Mineira de Neves Corvo, considerada durante os anos 90 uma das maiores e melhores empresas portuguesas, privatizada por valores ridículos, e hoje a render milhões a uma multinacional canadiana.
[2] o directório que Cavaco parece ter descoberto recentemente já vem de longa data…
[3] Cavaco foi derrotado um ano mais tarde, mas a continuação da política do seu governo foi assegurada por sucessivos governos PS,PS+CDS (entendimentos parlamentares), PSD+CDS e pelos acordos PS+PSD+CDS.
[4] supridas, no presente, por importações imensas, perante um cenário de incapacidade nacional de produzir o necessário para alimentar a população.
[5] a importação de energia é actualmente um dos elementos mais desequilibradores da balança comercial.

Não se pense que é futurologia, pois a justeza da análise e da previsão é fruto da riqueza que é o marxismo-leninismo e exemplo do extraordinário legado de Álvaro Cunhal.

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Para ler os posts sobre Álvaro Cunhal no blog, clique aqui.

“a um passos do precipício”

“A eleição e a confirmação dos governantes ou dos que possam vir a governar são, em geral, atos plebiscitários; e porque unicamente se pode votar a propósito da ocupação de posições com poder decisório e não acerca das diretrizes para a decisão futura, a eleição democrática realiza-se aqui mais em forma de aclamação do que de discussões públicas. Perante a opinião pública política legitimam-se, quando muito, as pessoas que devem decidir; as decisões em si mesmas devem, em princípio, (…) permanecer subtraídas à discussão pública. Por conseguinte, [isto] reduz em última instância o processo de formação de vontade democrática a um procedimento regulado por aclamação das elites chamadas alternadamente à governação. Intacta na sua substância irracional, a dominação pode assim legitimar-se, mas não racionalizar-se como tal.”

Jürgen Habermas, 1987 (1968), Técnica e Ciência como “Ideologia”, Lisboa, Edições 70, pp. 113-4

um certo discurso sobre a mobilidade

No seguinte link poderão aceder ao nº 11 da revista MOV Lisboa, que é uma “newsletter” do pelouro de mobilidade da CML.

Tudo bem: é de louvar a proximidade dos eleitos (o vereador) com os eleitores. A comunicação e a interação são um aspeto fundamental da nossa sociedade, como prova este blog. E neste número 11 aborda-se o tema do planeamento urbano, um tema bem interessante.

Mas não são elogios que motivam este post. É antes o profundo aborrecimento com que leio os discursos pífios do vereador e algumas tiradas inanes dos catedráticos de serviço. (mais…)

“O que é a revolução do ponto de vista marxista?”

Ando a ler «Lenine e a Revolução» de Jean Salen e a determinado ponto do livro surge a questão “O que é a revolução do ponto de vista marxista?”. O autor começa por responder que a revolução é «a destruição violenta da superstrutura política antiquada» e em seguida remete-nos por um conhecido trecho de Karl Marx explicando a dinâmica que as provoca:

na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura económica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superstrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência. Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em grilhões das mesmas. Ocorre então uma época de revolução social. Com a transformação do fundamento económico revoluciona-se, mais devagar ou mais depressa, toda a imensa superstrutura… etc.

in Para a Crítica da Economia Política (1859)

Este post coincide com impressionantes e comoventes acontecimentos no Egipto. O meu conhecimento sobre esse país não me permite aventurar em grandes analogias a partir citação, mas não me parece que esteja a ocorrer uma mudança das relações de produção, isto é, desconheço que haja uma «deslocação» da possessão dos meios de produção de uma classe social para outra, contudo a «superstrutura jurídica e política» no país poderá ter caído e, esperemos, que surja uma superstrutura mais adequada à actual «consciência social» e desenvolvimento das forças produtivas.

A revolução no Egipto não surgiu de um momento para o outro certamente, este «turbilhão revolucionário» é o culminar de «antagonismos sociais amadurecidos» ao longo de muito tempo. Agora, as massas, que sempre permaneceram na sombra, intervêm activamente no palco e combatem, e terão de o fazer durante muitos mais dias, anos e décadas. É de realçar que, os factores subjectivos têm também um importante papel do desencadear das revoluções: é preciso «ter fé na revolução». Neste caso, esta fé terá sido induzida através da centelha tunisina. Que ela incendeie todo o Mundo.

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as palavras entre aspas são expressões de Lénine usadas por Jean Salen no livro

Educação – de direito humano a negócio da preparação de profissionais

Nesta semana, foi notícia um protesto de estudantes do Ensino Superior contra as propinas e um início das aulas novamente atribulado, acompanhados com declarações cretinas do ministro do Ensino Superior sobre a aritmética e propinas, e ainda um sketch monty-pythiano da ministra da educação.

Não vamos mostrar o sketch da ministra, nem de outro ministério, mas não fiquem tristes pois temos algo pior para mostrar:

Estudantes interrompem sessão com Sócrates e Mariano Gago, vejamos

Sobre isto, apenas dois curtos comentários.

Este primeiro é um trecho retirado do blog Autoridade Nacional:

Ora, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a quem cabe, por obrigação, “estabelecer a progressiva gratuitidade do ensino”, diz que no seu tempo pagou mais de propinas do que pagam agora os jovens portugueses. (…)

a)    Tomemos como referência o ano de 1974, ou melhor, Maio de 1974. Em Maio de 1974, foi fixado por Decreto o salário mínimo nacional em 3.300$00 e a propina manteve-se em 1.200$00/ano durante os 5 anos para todos os cursos. Isso significa que a propina representava então pouco mais de um terço do salário mínimo nacional. Actualmente, a propina de primeiro ciclo (apenas 3 anos) fixa-se em 1000€/ano, ou seja, 200.852$00 e o salário mínimo nacional está fixado em 475€, ou seja 90.500$00, quase metade do valor do SMN.
Da mesma forma, isto significa que o salário mínimo nacional cresceu (entre 1974 e 2010) cerca de 27 vezes enquanto que a propina cresceu 166 vezes. Ficam por perceber as contas de Mariano Gago. Não irei ao tempo de estudo de Mariano Gago, certamente durante o período fascista, porque não me atrevo a comparar, nem acho minimamente acertado ou sequer honesto, comparar a realidade do regime fascista com a do Portugal após Abril.

in Autoridade Nacional

E o segundo comentário considera então os tempos do fascismo, mostrando como nenhuma análise da sociedade se pode resumir a simples proporcionalidades aritméticas como fez o ministro, e como talvez não seja boa ideia ter uma propina proporcional a tais tempos. Vejamos:

“Num célebre Inquérito da JUC à situação dos estudantes universitários, nos finais dos anos 60, constatava-se que apenas 2% eram filhos de operários. Operários que na época representavam cerca de 40% da população activa.”

Para bom entendedor…

É assim a democracia de alguns! Foi neste espírito de democracia que colegas nossos se deram à liberdade de se verem obrigados a adiar os seus cursos superiores aquando o grande aumento da ministra Ferreira Leite (PSD) para quase 999€* e mantido pelos governos PS. E claro, adiar, em muitos dos casos, tornou-se um eufemismo de desistir; adiamentos/desistências com o patrocínio destes governos democráticos de gurus da aritmética.

A “acção social” passou a ser feita pelo Espírito Santo e outros santos da banca… em troca, além das rezas, o que querem mesmo é os juros.

Para colocar isto numa perspectiva mais geral (ou até filosófica?) e desfulanizar um pouco o conteúdo deste post, busco o que foi escrito há quase dois anos no blog anónimo do séc. XXI. Fala ainda do direito à saúde que foi também notícia esta semana. Prestem atenção pois os termos estão cuidadosamente escolhidos:

Estaria perplexo, como tanta e tão boa gente estará, com as posições deste governo, mormente na área da educação, se não tivesse uma interpretação que me parece confirmada a cada passo. Consciente ou inconscientemente, este governo cumpre a missão que lhe está incumbida pelo poder económico: transformar os direitos em negócios. O direito à saúde e o direito à educação (inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de que se assinalam os 60 anos, e na Constituição da República Portuguesa) no negócio da doença e no negócio da preparação de profissionais para as necessidades do aparelho económico-financeiro transnacional. Com a disponibilidade de crédito bancário para os “beneficiários” desses cuidados com a sua saúde e dessa preparação para serem úteis, enquanto empregados ou enquanto desempregados no “exército de reserva”.

Sérgio Ribeiro, em anónimo do séc XXI

Por quanto mais tempo aturaremos governos que mantêm este estado de coisas? É preciso uma ruptura com esta políticas, colocando a ênfase não no lucro, mas na satisfação das necessidades dos portugueses e dos restantes povos.

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# por Bruno e Luiz (colectivo do blog Leitura Capital)
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* na época era, mais precisamente, 880€ (propina máxima), mas o número apresentado no texto é mais divertido para quem o lê de cabeça para baixo.
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(escrito para o blog Cheira-me a Revolução!)

sobre PPP’s e dívidas

Hoje o anónimo séc. XXI iniciou uma série sobre o endividamento do Estado, frisando que a principal componente é privada. Nesse campo, comparar com outros países também é interessante – não tenho à mão o artigo do Economist.

Mas nem de propósito, uma senhora que anda há bons anos nas lides das Parcerias Público-Privadas (PPP), foi ouvida explicar um pouco como a coisa se processa por cá.

As PPP tornaram-se regra: o que não cabe no investimento público directo passa para a alçada da dívida dos privados, que ficam com a responsabilidade do financiamento e amortizam o investimento em prazos de maturidade prolongados – em Portugal, normalmente, 30 anos. Tal facto tornou as decisões de investimento público muito dependentes do mercado financeiro e da banca, que avaliza ou não estes contratos.

Digo eu que, por um lado, não havendo capacidade produtiva que reverta e que o Estado possa mobilizar e havendo carências estruturais, grandes obras públicas foram sendo passada para PPP. Acresce a vontade política para que tal tenha sobrevindo – e nem entro pela eventual correlação com o nível de corrupção.

Por outro lado, estando as decisões de investimento condicionadas ao mercado financeiro, percebemos melhor porque está o nosso país refém de indicadores como a confiança e é alvo da extorsão de agências de avaliação de risco (rating)

Por fim, a complexidade do outsourcing: é que as competências técnicas acabarão sempre do lado do prestador de serviços. Nova perda de poder e uma maior factura a médio prazo. Note-se que isto vai além duma consolidação da gestão de PPP que é referida na peça jornalística pela senhora que já trabalhou nos dois campos…

Onde estamos?

Dia 29? O que é que se vai passar?

Em vez de especular, nada como ir à fonte: Resolução do Plenário Nacional de Sindicatos da CGTP-IN

O que está em causa são os aumentos de impostos e o roubo dos salários, tendo em vista pagar um endividamento público pelo qual os trabalhadores não devem ser responsabilizados!

Cada vez é mais evidente que não temos uma efectiva governação política do país, mas sim a gestão Sócrates/Passos Coelho subordinada às orientações e decisões dos especuladores financeiros (os primeiros responsáveis da crise) e aos interesses do grande capital, cumprindo as políticas neoliberais dos mandantes da União Europeia.

Quem criou esta situação? Epah, os mesmos que lhe querem agora dar resposta!

E que resposta é essa? Uma gestão a curto-prazo, que não enfrenta os défices estruturais do nosso país!

Este pacote não pode ser visto isoladamente pois as suas medidas gravosas acrescem às que estão inscritas no OE e no PEC aprovado em Março.

Este pacote e esta crise têm uma história – e longa, apesar dos actores e dos papéis pouco mudarem. Mas já agora, se o OE já passou, tanto as suas alterações como as medidas concretas do PEC terão de ir a votação. E é a pressão que conseguirmos agora fazer que vai determinar a brandura da vergastada.

É falsa a afirmação do Governo de que os sacrifícios exigidos à população são repartidos de uma “forma justa”. Sustenta essa afirmação no facto de o pacote também incluir algum aumento do IRC para as grandes empresas e a banca, o aumento da taxa liberatória do IRS aplicável a depósitos a prazo e a dividendos, pequenos cortes salariais a políticos, gestores e líderes de entidades reguladoras. Porém, algumas destas medidas são simbólicas como reconheceu expressamente o Primeiro-Ministro em relação a estes cortes salariais e outras, como no caso da tributação das mais-valias, que têm efeitos limitados pelo facto de deixarem de fora as sociedades gestoras de participações sociais e os fundos de investimento. Quanto ao aumento do imposto sobre os lucros, o seu impacto será também reduzido, designadamente, pelo facto de apenas abranger as empresas com lucros tributáveis superiores a 2 milhões de euros.

Procurámos no nosso post no “Cheira-me a Revolução” frisar a injusta distribuição de sacrifícios. É notoriamente proto-fascista o discurso dos dirigentes políticos (do Cavaco ao Sócrates, do Passos Coelho ao João Galamba), que se conluiam pelo “Bem da Nação”. E o silêncio de alguns (anónimos ou não), fica-lhes muito mal, neste momento…

A preocupação não é a adopção de políticas económicas que criem emprego nem a melhoria da cobertura dos desempregados pela protecção social nem o combate às desigualdades e á pobreza. As prioridades do Primeiro-Ministro e do líder do PSD centram-se em servir os interesses do grande capital internacional e nacional e na manutenção no poder (político e económico) daqueles que há décadas nos desgovernam e cada vez mais nos exploram.

Que governação é esta que abandona o primeiro e mais grave problema da sociedade portuguesa? Onde está o tão propalado interesse nacional?

É necessária uma resposta firme agora. Senão, é apertar o cinto até já não haver furos…

Dia 29 estaremos lá!

1º de Maio em Lisboa

O Carvalho da Silva fez hoje um discurso muito equilibrado sobre a situação de crise a resposta necessária dos trabalhadores. Apontou que o compromisso dos governos não é com a nossa classe, mas é com os mercados, com o capital: o socorro prestado pelos governos no ano passado levou as economias menos desenvolvidas à recessão; ora agora os Estados endividar-se-ão junto das entidades bancárias, que ganharão assim duas vezes!

Não posso deixar de comparar com o que ouvi do Proença de Carvalho da UGT: segundo ele o PEC é necessário, mas justo seria que o capital participasse também nos sacrifícios e não se cortassem as prestações sociais.

  1. A resposta a esta situação de crise tem de ser integral. É preciso uma política nacional que possibilite o desenvolvimento da nossa economia e que faça chegar os benefícios a toda a população.
  2. A resposta tem de ser maciça. Apenas com a participação o mais ampla possível dos trabalhadores e restantes classes exploradas poderemos alterar a relação de forças em nosso favor.

Não há propriamente novidades aqui, nem neste 1º de Maio, dirão. Mas há consciência política e confiança na acção decisiva “do Trabalho contra o Capital”!

Desregulamentação de horários
Desregulamentação de horários

Já agora, uma nota solidária para com a greve promovida pelo CESP para que os estabelecimentos comerciais não estivessem abertos durante o dia 1º de Maio.

Quando se cede à chantagem o chantagista aumenta a parada

Para ir o mais direito possível à intervenção política, vem aqui uma intervenção muito simples do Bernardino Soares na Assembleia da República acerca da imposição de sacrifícios ao povo português.

Há dois movimentos que me ocorreu assinalar:

  • A democracia encontra-se refém de agências de classificação da capacidade financeira dos Estados. Que servem, no fundo, os interesses dos que particpam no mercado que pretendem regular: o capital financeiro.
    Na verdade, muitas vezes falamos que para os progressistas a democracia não se esgota nas instituições para as quais há eleições de 4 em 4 anos. Há a luta dos trabalhadores e das populações por melhores condições de vida, luta que sendo participada e maciça tem o condão de fazer recuar (mesmo que temporariamente) os avanços da política de direita. Pois calha bem assinalar que também para os nossos inimigos políticos o governo do Estado não se cinge aos órgãos democraticamente eleitos. Joga-se essencialmente nos limites que existam à acumulação de capital.

É ou não verdade que as medidas restritivas anunciadas não vão ter nenhum eleito nos mercados, como não tiveram na Grécia que anuncia cortes, sobre cortes, e vê a sua dívida cada vez mais onerosa como desejam os especuladores?
Quando se cede à chantagem o chantagista aumenta a parada. Na verdade este capital financeiro está sedento de instabilidade para impor aos Estados juros altos.

  • Quando esses limites são ultrapassados, é porque o outro lado cede. E verificamos a degradação dos salários e dos direitos sociais. Ou seja, pioram as condições em que se vende a força de trabalho, aumenta a exploração.

Todas as medidas anunciadas são contra os mesmos de sempre. São contra as prestações sociais, contra os salários, contra os desempregados. Com um enorme desplante a Ministra do Trabalho repetiu ontem o que o Presidente da CIP tinha dito há dois dias atrás. Que é preciso apertar o subsídio de desemprego para obrigar os desempregados a regressar ao mercado de trabalho. Mas onde estão os empregos para eles ocuparem. Já se percebeu que o que patrões, Governo e PSD querem é progressivamente diminuir os salários, aumentando a exploração e a precariedade.

Os sindicatos “livres”

Gosto bastante do programa “Questões de Moral” na Antena 2, uma espécie de monólogo sardónico entrecortado por umas árias a gosto. Nas últimas semanas o tema tem sido a máfia italo-(norte-)americana, com as suas ligações à indústria do cinema em particular.

Ainda está disponível o podcast de 15 de Março, intitulado “Os imitadores de Capone e os Sindicatos Livres”, cuja audição aconselho vivamente. Nele se relata como nos anos 30 os estúdios de Hollywood recorreram às máfias para quebrar a unidade dos trabalhadores: a máfia tomou conta de sindicatos, que dessa forma se tornaram o único interlocutor reconhecido pelo patronato. Através de discriminações salariais, de negação de emprego, mas também de violência e parasitismo, os sindicatos dos patrões e da máfia acabaram por se tornar dominantes. Interessantemente, os mafiosos ganharam um tal poder sobre a força de trabalho disponível, que impuseram posteriormente tributações à indústria… (mais…)