O poder não é dado por umas eleições ou um referendo. O poder é uma relação social. Ele é equilibrado ou desequilibrado de acordo com a dinâmica das relações sociais entre classes, e a concretização de determinadas políticas são ou não possíveis resultado disso. As próprias eleições são uma conquista/concessão resultante dessa dinâmica. Sem dúvida que um processo eleitoral pode permitir a uma classe não dominante subir formalmente ao poder de um Estado ou qualquer outra organização, mas isso não significa necessariamente que detém o poder. Na Grécia, país da União Europeia, isso começa a ficar cada vez mais evidente. O povo elegeu um governo anti-austeridade, mas o real poder é “austero”.
Há tempos ouvia com atenção um homem de direita alegar que se o governo português foi eleito pela maioria dos portugueses, então deveria poder executar as suas políticas livremente. Isso para ele é que seria uma verdadeira democracia. E acrescentava que os sindicatos não se deviam meter, pois quem foi eleito democraticamente foi o governo, e não eles. Indirectamente, este senhor assumia que o poder dado por eleições não é absoluto mas resultado de uma dinâmica social.
À esquerda do espectro político não são poucos aqueles que estão profundamente iludidos pelos actos eleitorais. Admitem como natural que seus partidos sejam quase meramente eleitoralistas, abdicando quase por completo transformar a referida “dinâmica social”, fortalecendo o proletariado até se tornar poder dominante. Acreditam que tais partidos eleitoralistas são revolucionários! Assim, no fundo, pensam que nos palácios e gabinetes do poder formal está o poder concreto. Esta é uma das facetas do esquerdismo.
Há tempos atrás, numa manifestação organizada pela CGTP, um grupinho “radical” queria subir a escadaria e entrar à força no Palácio de São Bento, onde se reúne a Assembleia da República, para tomar o poder. Chegados lá dentro, fariam o quê? Achavam eles que todas as outras organizações do Estado submetidas à AR iriam acatar as suas leis e decretos?! O Palácio de Belém são apenas paredes e o poder não é dado por elas. Acreditam eles que são revolucionários!
O sufrágio universal é uma conquista importantíssima e uma oportunidade imperdível para a elevação da luta de massas, mas a sua importância e contexto tem de ser devidamente analisada, não podendo ser os actos eleitorais o alfa e ómega da militância política para quem compreende que a revolução é um objectivo necessário à transformação da sociedade.
A revolução não se faz, organiza-se! – para bom entendedor…
No seguinte link poderão aceder ao nº 11 da revista MOV Lisboa, que é uma “newsletter” do pelouro de mobilidade da CML.
Tudo bem: é de louvar a proximidade dos eleitos (o vereador) com os eleitores. A comunicação e a interação são um aspeto fundamental da nossa sociedade, como prova este blog. E neste número 11 aborda-se o tema do planeamento urbano, um tema bem interessante.
Mas não são elogios que motivam este post. É antes o profundo aborrecimento com que leio os discursos pífios do vereador e algumas tiradas inanes dos catedráticos de serviço. (mais…)
O livro em causa, editado recentemente pelas edições Avante!, é da autoria de Remy Herrera, um professor universitário francês, bastante regular nas suas contribuições em sites de informação alternativa. Portanto, o que está aqui em causa é a perspectiva, de alguém informado e com um forte comprometimento de classe, sobre os acontecimentos políticos e sociais actualmente em curso na América Latina.
É evidente não é possível resumir e comentar em cerca de 140 páginas todo o movimento complexo referido. Afinal, trata-se de um território tão vasto, com tantos povos e histórias (por vezes que entre-cruzam fortemente), que merece uma análise bem cuidada e informada. E mesmo o autor não consegue restringir o seu texto à actualidade, uma vez que esta é devedora dos acontecimentos que a antecederam e, também, porque há lições importantes a retirar do passado destes povos.
Desta forma, não é objectivo deste post dar conta de todas as análises sustentadas no livro: vou apenas focar-me na perspectiva geral. Eventualmente, retornaremos a este livro como referência para comentar a situação ou a história de algum país latino-americano. (mais…)
Publicado em finais de 1990’s, este livro trata-se de um trabalho de investigação que põe a descoberto a responsabilidade da Bélgica, da ONU e da comunidade internacional no assassinato do político congolês Patrice Lumumba, em 1961. Contrariando, a versão da história acarinhada pela classe dirigente belga, Ludo de Witte apoia-se em documentos e registos de comunicações oficiais da época para mostrar as acções e os interesses por trás deste evento político de suma importância.
Em 1960, os belgas acederam tornar independente a sua colónia do Congo (Congo-Léopoldville), fruto do ascenso nacionalista. Redigiram uma Constituição para a nova república e permitiram eleições livres; cederam o controlo das forças de segurança e militares, muito embora mantendo a sua influência estratégica (os assessores) e funcional (o dinheiro); asseguraram que se mantinha a propriedade e a segurança das holdings presentes no país, nomeadamente as de exploração de cobre na região do Catanga, no sul do país. Portanto, tudo mudaram para que tudo permanecesse na mesma. (mais…)
Nos últimos tempos não me tem sido possível participar neste espaço que é meu, do Bruno e de quem por cá vai passando. Isto não é bem um pedido de desculpas; antes um pequeno apanhado do que me tem ocupado.
Foi durante um jantar. Alguém se pôs a sonhar alto com o que faria caso ganhasse a Lotaria ou o Euromilhões. Casa, carro, férias, trabalhar menos, oferecer uma dentadura à mãe… E quando chegou a vez de um comunista dizer o que faria a tanto dinheiro, alguém diz
Ahhh!, tu não podes [ser rico], és comunista.
É tão frequente, que tenho uma frase pronta para responder em situações semelhantes. Respondi algo como isto:
Nós, comunistas, nada temos contra o ser-se rico, mas antes, com a forma como se fica rico: se por via da exploração de outra pessoa, ou se por via do próprio trabalho.
E, para que fique claro e rasgue com o preconceito, declaro
Adoraria ser rico.
A surpresa levanta a curiosidade, e lá tento explicar-me, dizendo entre muitas outras coisas que a separação mais importante não é entre pobres e ricos, mas entre explorados e exploradores. Mas assim que se usa o termo exploração surge um novo desafio. É comum pensar-se que a exploração é um conceito meramente subjectivo, isto é, que se é ou não explorado caso se ache bem ou mal remunerado (!). Tinha que me fazer compreender melhor…
Entretanto, a televisão falava da guerra – a desgraça continua – mas o que capta a atenção dos presentes é o jantar estar insonso. Tento explicar aos mais curiosos de onde provem então a exploração (e que afinal de contas a exploração é algo objectivo, isto é, que existe para além de nós).
Não deu para explicar. Afinal, o jantar estava insonso. Isso tornou-se o mais importante. Mas, mais tarde, quase todos os presentes revelaram sentir que não eram remunerados devidamente. Era isso que lhes tinha tentado dizer, mas por outras palavras. Ali, naquele jantar, todos pertencíamos aos explorados, quer soubéssemos ou não disso.
Neste mundo, a exploração está sempre ai, quer se tenha consciência ou não dela. Quer alguma vez se tenha ouvido falar em conceitos de economia como Mais-Valia, ou não. E era este o conceito que queria ter chegado a mostrar. Fica para uma próxima, quando estiverem mais interessados nisto:
Tenho procurado organizar as ideias para escrever sobre a aprendizagem de acções de resistência dos indivíduos e dos povos, até para compreender melhor a importância das greves e manifestações. Não havendo por agora disponibilidade para escrever algo, colo abaixo dois excelentes textos que penso se complementarem de alguma forma.
O primeiro é sobre a origem da palavra Sabotagem… e da luta dos trabalhadores. E o segundo, sobre a relação entre as pequenas e grandes lutas.
A propósito do «pauzinho na engrenagem», de que falava o desenho de Manuel da Palma no nº 2 do Mudar de Vida, lembrei-me de que sabotagem provém de uma palavra francesa, sabot, que significa tamanco. Era o calçado dos operários no começo do capitalismo, isto se tinham alguma coisa para pôr no pé, e como os tamancos eram de madeira e as engrenagens daquela época não eram muito fortes, quando o tamanco caía, a máquina parava, e o trabalhador ganhava assim algum tempo, sobre o tempo de trabalho que tinha de vender ao patrão.
A história registou grandes datas, convulsões mundiais, bandeiras vermelhas desfraldadas ao vento. Mas estes episódios, que constituem o culminar da luta entre as classes, são a cúpula do edifício. Os alicerces são outros, e cavam-se com milhões e milhões de gestos quotidianos, anónimos, persistentes. Imaginam quantos biliões de dólares os patrões perdem por ano devido a materiais que os trabalhadores levaram para casa? Dir-se-á que são roubos, e a lei pune-os como tal, mas na realidade são uma tentativa de reduzir a exploração salarial. Ou dir-se-á que se trata de acções individuais, sem interesse para a luta colectiva. Mas quantos colegas olham para o lado quando outro mete alguma coisa na bolsa ou no bolso? As redes de solidariedade vão-se construindo assim, pouco a pouco, com estes actos elementares. As oposições de classe também, a clivagem entre nós e eles. Sem isto não existe unificação possível das lutas, nem debate de ideias, nem esclarecimento político, nem avanços estratégicos. E quando a hora soa, aqueles que sabem o que está por debaixo podem sorrir e dizer, com a frase de Marx, «bem cavado, velha toupeira!».
Existe uma relação dialéctica entre “pequenas” e “grandes” lutas. Grandes movimentações de massas só são possíveis por via do desenvolvimento molecular e quase subterrâneo da luta concreta no local de trabalho. As ”pequenas” lutas criam no trabalhador a consciência dos seus interesses económicos específicos e um sentido geral de pertença à sua classe. As “grandes” lutas elevam a consciência económica do trabalhador a níveis mais elaborados, permitindo ao trabalhador compreender a ligação entre o conjunto dos patrões e o espelhar dos interesses destes nos governos. Ambas as lutas, por seu turno, forjam uma aprendizagem social e política dos trabalhadores. São por isso elos insubstituíveis e complementares na movimentação dos trabalhadores pela defesa e aprofundamento dos seus direitos, pela construção de uma sociedade socialista, uma sociedade liberta da exploração do homem pelo homem.
Por João Valente Aguiar
Aprendendo…
Tal como num caso que assisti, a simples reivindicação pela manutenção de uma máquina de café levou a que, numa pequena empresa, todos os mais variados empregados, desde a empregada de limpeza aos técnicos, gestores e doutores, se unissem e tomassem a conclusão de que pertenciam um mesmo grupo – o dos trabalhadores (versus os seus dois bacocos patrões). É certo que esta consciencialização foi mais ou menos elaborada conforme as pessoas, mas foi o suficiente para muitos se despertarem para esta e outras lutas, as suas e as de outros, e aprendendo a localizarem-se melhor na sociedade em que vivem. Hoje, mesmo quando os seus dias sofrem os contratempos provocados pelas greves de outros, mantêm a solidariedade e o apoio a esses outros, pois sentem ou sabem estar de alguma forma ligados a eles. Apesar disso, desconheço se, entretanto, alguns deles se terão ligado a alguma organização de trabalhadores, tornando assim as suas acções individuais mais assertivas e elevando a luta a algo superior (e colectivo).
Algo aprendi:
Desde o tamanco ou da reivindicação da máquina de café, passando pelas grandes manifestações e greves, até à luta pelo poder de Estado e a construção de uma nova sociedade, isto anda tudo ligado.
O futebol é um desporto fantástico. É espectacular assistir a uma partida quando bem jogado, e divertido de se jogar mesmo quando terrivelmente mal praticado. A benesse que tem para as pessoas a actividade deste desporto a nível físico, psíquico e social é tida pouco em conta, ele está absorto na predominância que o futebol profissional tem nas nossas sociedades.
Na rua, onde se improvisa campos de futebol e equipas de amigos e desconhecidos, no geral, sobressaem alguns dos mais levados comportamentos humanos, respeitam-se adversário, fazem-se amizades; o fair-play é impelido mesmo sem se tirar de vista o objectivo de vencer o jogo.
Podemos observar, assistindo ao Mundial, como corrompido está o espírito desportivo. Dentro do campo, o mais importante é não perder o jogo, por isso, é norma ver que após uma disputa de bola em que um jogador em falta magoa outro, ter apenas como prioridade retomar a sua posição em campo; ajudar o adversário a levantar-se é um acto cada vez mais raro de assistirmos. A nível físico, perde-se mais uma das benesses do desporto, são comuns os casos de jogadores que adiam o tratamento das suas lesões mantendo-se em competição.
É o trabalho e o negócio a ocupar o espaço do lazer e do desporto. Os jogadores de futebol estão como aquele fã de cinema que, passando a trabalhar como crítico, vê-se dentro duma sala, não pelo prazer de ver um filme, mas pela necessidade de escrever um artigo.
É talvez um pouco por tudo isto que tenho assistido com tédio a algumas partidas de muito mau futebol e, mais surpreendentemente, os próprios jogadores em campo parecem aborrecidos. Gosto de imaginar que seja por isso que, de inicio ao fim dos jogos, são apupados com o irritante som das vuvuzelas.
O Futebol é um jogo colectivo
Estátua de Cristiano Ronaldo
Com a ajuda dos média corrompe-se ainda mais o desporto. Um jogo colectivo como o futebol, cuja importância do jogo de equipa é enfatizado por todos os grandes treinadores, os média desenvolvem um patético culto a uns poucos de super-homens. Muitos destes, mesmo repetindo exaustivamente que o importante é a equipa, não deixam de transparecer que falam palavras vazias; e isso nota-se dentro e fora do campo.
Não ficaria surpreendido se os posters de alguns destes craques da bola em cuecas fossem mais vendidos que posters com os 23 jogadores da selecção campeã. Estes indivíduos que são endeusados pelos média e dados como referências de sucesso, são explorados por uns poucos “investidores” que ganham muitos milhões, e como prémio, estes bezerros de ouro ganham igualmente generosas quantias. O importante é que, tanto uns como outros, ganham estes muitos milhões às custas da exploração das necessidades de diversão e da alienação de muitos fãs de futebol. Poucos serão boas referências para uma sociedade mais justa.
Sabemos que quem ganha é quem marca mais golos, mas no Mundial as equipas jogam normalmente a evitar sofrer golos, e não para marcá-los.
Outras contradições existem. O futebol abrange cada vez mais diferentes tipos de negócios e mais pessoas a participar na geração de riqueza, mas por outro, cada vez são menos aqueles que retêm o capital gerado.
O futebol negócio está de tal forma globalizado que se tornou comum os grandes clubes europeus contratarem crianças talentosas de África e da América-Latina para serem treinadas e mais tarde capitalizadas com a venda dos seus passes. Mas claro, é sempre bem melhor do que se lhes retirarem um rim – isto é já campeonato de outras máfias!
Coreia do Norte Vs Portugal
Confesso que só durante o jogo irei saber por qual destas selecções irei torcer.
De um lado temos uma selecção em que os chorudos prémios da FIFA vão sobretudo para o Estado. Do outro, esses prémios ficam para os jogadores, federação, e tenho receio em saber a que mais mãos irão parar. Em caso de vitória, os 30 milhões que a Federação ganharia, poderiam certamente a resolver a lista de espera na ala de ortopedia do Hospital São Francisco Xavier – é de 17 meses.
De um lado temos uma selecção que treinam em ginásios juntamente com o povo na África do Sul (Vídeo). Do outro, dispendiosos gastos em sessões de treino com os seus Navegantes de jacuzzi.
De um lado, temos uma selecção em que os jogadores demonstram um enorme fair-play, ajudam os adversários a levantarem-se nas quedas, sorriem com a sorte que têm de poder participar numa das maiores festas do planeta – um Mundial de Futebol. Do outro lado, poucos têm semelhante atitude; a maioria desfila os seus egos pelo relvado incapazes de reconhecer o que representam e o que poderiam representar.
Seja qual for o resultado da selecção portuguesa, isso não ajudará em nada a resolver as necessidades do nosso povo, ela não representa os portugueses mas antes os seus patrocinadores, pessoalmente, sinto-me mais próximo de uma equipa em que os jogadores jogam directamente em prol do seu pais, que treinam nas condições semelhantes aos comuns dos mortais, e a atitude em campo semelhante aos meus jogos de rua, do que a bezerros de ouro que durante todo o ano correm vestidos de placar publicitário enquanto chutam bolas ou vendem cuecas…
Jogadores da Coreia do Norte após o final do jogo com o Brasil...
Concluindo: durante o jogo, com gelo no menisco, os rins aconchegados no sofá, ficarei a saber se cedo a um acto de chauvinismo bacoco, ou à simpatia duma selecção que nada me dizia até há uma semana.
E que um dia o desporto se livre do jugo que o negócio lhe faz e corrompe.
Saramago é para mim uma figura tutelar e a sua morte deixou-me profundamente desolado. Fiquei fora de mim, incapaz de me concentrar no que estava a fazer. Talvez se reveja aqui um lugar comum no falecimento de alguma figura pública, mas foi isto: fiquei absorto na recordação do imenso prazer que os seus grandes livros me proporcionaram e inquieto com o quanto estariam a fervilhar os actores mediáticos em torno desta efeméride (os jornais e revistas a preparem os cadernos especiais e as capas, os políticos as condolências hipócritas, o governo nem quero ouvir).
Não desejava fazer mais um post a assinalar um acontecimento, a reverenciar o funcionamento aos sacões do nosso quotidiano. Nem pretendo assumir a defesa da vida e das opções ideológicas e práticas de Saramago. O que me marcou nele foi o escritor e era isso que queria evocar e divulgar um pouco.
Foi um autor de vanguarda: a sua forma literária (tantas vezes gozada por alunos cábulas e equivalentes adultos), tão contemporânea ao desconstruir efectivamente o ritmo clássico da prosa. Simultaneamente, a sua escrita adquiria um tom barroco ao estender o tempo da narração e ao multiplicar as figuras de estilo e as referências eruditas. A História foi por ele descascada e corrompida; por isso torna-se mais verdadeira.
“O “Levantado do Chão” conta a vida da minha família”: Saramago fez-nos também acreditar na memória dos afectos. E reversivelmente, com o seu mote crítico, no futuro do seu povo. Choramos com esperança.
É que a vivência retratada nos seus romances é sempre em tensão, mesmo quando as personagens não são directamente protagonistas: as decisões que tomam e o amor que exprimem é necessariamente um acto extremo e, nesse sentido, consciente. Assim, a vertigem ou o atropelo das palavras e da sintaxe (não é o termo correcto) na escrita de José Saramago é uno com o sublime retrato da condição humana.
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Isto foram apenas linhas para uma análise futura – haja tempo e saber! – e não me refiro à obra mais recente de Saramago, uma vez que não a conheço tão bem ou não gosto dela assim tanto. Sobre isto, permito-me umas notas mais.
Há poucos dias tinha assinalado a seguinte citação no blog da sua (polémica) fundação:
Todos os dias têm a sua história, um só minuto levaria anos a contar, o mínimo gesto, o descasque miudinho duma palavra, duma sílaba, dum som, para já não falar dos pensamentos, que é coisa de muito estofo, pensar no que se pensa, ou pensou, ou está pensando, e que pensamento é esse que pensa o outro pensamento, não acabaríamos nunca mais. – José Saramago, “Levantado do Chão”
Até encaixo esta longa frase no que disse acima. Mas o meu propósito inicial era de utilizar este dédalo do dizer e do pensar num post acerca das Mitologias de Roland Barthes.
Ora, estoutro autor, numa entrevista em 1964 finaliza com a seguinte tirada uma crítica “à sacralização do real” esperada na literatura progressista:
Julgo que se poderia dizer que a literatura é Orfeu regressando dos Infernos; na medida em vai a direito, sabendo, contudo que conduz alguém, o real que está atrás de si e que retira pouco a pouco do inominado, respira, anda, vive e dirige-se para a claridade de um sentido; mas mal se volta para o que ama, já não fica nas suas mãos senão um sentido nomeado, isto é, um sentido morto. – Roland Barthes, in Literatura e significado, “Ensaios Críticos”
Acho esta formulação tão bela quanto acertada. E nem a pretendo opor a críticas em que não alinho acerca de defecções e apostasias. Uso-a precisamente para avaliar a qualidade “literária” de Saramago: se me arrefecem as suas obras tardias (ia escrever mais recentes, e merda de dia) é pelo que foi nomeado em excesso e não por se ter perdido do real.
É a minha opinião. Em termos algo cerrados, admito, mas não estou para pactuar com o circo mediático deste fim de semana. Recuso-me a colocar o Saramago numa estante ou num panteão! Desejo continuar a ser guiado pela sua obra inesquecível: para o bem ou para o mal, foi parte do caminho que percorri e continuarei a trilhar.
Através de diversas citações, MDD toma posição quanto à avaliação moral que Marx faz da sociedade sua contemporânea (e tão próxima da nossa…): o sentido de justiça dominante emana das condições sociais de produção, como tal, as formas jurídicas que o suportam têm um conteúdo justo desde que corresponda ao modo de produção. É por isso que a escravatura e a contrafacção de mercadorias é injusta sob o capitalismo, mas não o é o roubo dos salários de um povo, através da especulação no mercado financeiro.
Na base do sistema de salários, o valor da força de trabalho é estabelecido como o de toda a outra mercadoria; e, como diferentes espécies de força de trabalho têm diferentes valores, ou requerem diferentes quantidades de trabalho para a sua produção, têm de alcançar diferentes preços no mercado de trabalho. Clamar por retribuição igual ou mesmo equitativa na base do sistema de salários é o mesmo do que clamar por liberdade na base do sistema de escravatura. O que pensais que é justo ou equitativo está fora de questão. A questão é: o que é que é necessário e inevitável com um dado sistema de produção? (Salário, preço e lucro)
Estive a ler esta comunicação de Manuel Dias Duarte (MDD) que se foca na (crítica da) Ética presente nos escritos de Karl Marx. Numa série de posts darei conta das questões levantadas e aproveitarei para meter a colherada num ou noutro ponto.
A tese de MDD é que Marx não trata de um projecto moralizante da sociedade e que, por isso, a sua abordagem é de crítica permanente da Ética e da Moral existente, em lugar de constituir uma ética marxista. Apoiando-se numa correcta distinção da Ética e da Moral na sociedade capitalista (a distância por vezes intransponível entre teoria e prática), MDD dá conta de como Marx questionava a perenidade atribuída aos princípios éticos e declarava a eticidade e a moralidade como formas ideológicas, isto é, ideias submetidas ao seu tempo e à acção humana.
Se construir o futuro e fazer planos definitivos para a eternidade não e o nosso ofício, o que pretendemos realizar no presente é evidente: pretendemos a crítica radical de toda a ordem existente, radical no sentido de que ela não tem medo dos seus próprios resultados, nem dos conflitos com as potências estabelecida. (Carta a Ruge, Setembro 1843) (mais…)
Não existe neutralidade na canção. Tenho pensado muito nisso por causa dessa treta de nos chamarem cantores de intervenção. Chamarem-nos cantores de intervenção é uma forma de desresponsabilizar os outros que não o são. Parece que, normal é uma pessoa não intervir, não se meter “nessas coisas”. Quando qualquer ocupação do espaço social – em cima dum palco, num disco, num tempo de antena (…) – é relevante do ponto de vista da nossa relação com a comunidade. Portando, não há neutralidade nisso. Se eu ficar a cantar baboseiras, parvoíces, ou coisas completamente anódinas que contribuam para estupidificar as pessoas, etc, eu estou a intervir, sou activo na mesma, estou a dizer: “É pá, ficas quietinho, não faças nada. Tu és um escravo. Não levantes a garimpa, continua isso, nasces, morres, e continua o processo. Não faças nada.” Outros, seja a falar de amor, seja a falar das relações sociais, seja a falar de poesia – das grandes coisas da alma humana -, exprimem-se, entregam-se, questionam-se. Isso, quando passam para si e para os outros… [tem um efeito].
Em entrevista ao programa Bairro Alto, emitido ontem na RTP2. Pode assistir ao programa aqui.
Tivemos uns meses intensos de trabalho, estudo, eleições, pós-eleições, colaboração noutros blogs e sites… E o nosso Leitura Capital ficou para trás.
Mas não ficaram nem a nossa actividade militante nem as nossas leituras! Encontrámos foi dificuldade em cumprir os critérios editoriais que tínhamos definido, pela especificidade e profundidade que queríamos ter no blog.
Por tudo isto, hoje decidimos dar um novo impulso ao Leitura Capital. Pretendemos que o blogue continue a dedicado ao estudo e desenvolvimento ideológico a que nos propusemos, mas reorganizámos a sua estrutura para permitir uma actualização mais regular. Assim, teremos posts onde analisamos os nossos livros escolhidos – obras que durante algum tempo teremos à discussão no nosso colectivo de leitura -, mas haverá também posts mais curtos, visando a situação política actual, leituras que ocorram em paralelo ou textos relevantes de outros blogs e sites.
Assumida uma nova linha editorial, mais adequada aos nossos interesses, esperamos vencer a inércia da actualização e manter o Leitura Capital dinâmico.
Podaríamos ficar surpreendidos como encontramos a luta ideológica nos lugares mais singelos. Desta feita, a Matemática, através dum artigo de Jorge Buescu, professor na Faculdade de Ciências, reconhecido divulgador científico.
O título do artigo não engana ao que vem (“Crise: a culpa é da Matemática?”), o autor rejeita neste artigo uma visão moralista do descalabro económico actual, segundo a qual uns malvados agentes financeiros terão ultrapassado os limites de operação segura do sistema apenas com o objectivo de extensão do lucro. De forma acertada, o prof. Buescu aponta tal explicação simplista como uma cortina de fumo de objectivos políticos e sugere em seguida que “a Matemática pode ter desempenhado um papel crucial” na origem da crise financeira e, subsequentemente, no bloqueio da actividade económica produtiva.
Sumariamente, este artigo dá conta de alguns princípios da modelização matemática do risco financeiro envolvido em qualquer operação de troca de dinheiro por… dinheiro. O risco é, assim, alvo de quantificação e toma uma forma bastante intuitiva: o risco de um fundo ou de uma outra instituição financeira mede-se, por exemplo, pela quantidade mínima de dinheiro que na semana seguinte poderá ser perdido com uma probabilidade de 1%. Somas superiores de dinheiro perdido têm, nesta simulação, menor probabilidade de serem perdidas. As medidas tomadas pelos agentes financeiros são, então, no sentido de reduzir o risco associado, por exemplo separando os créditos em produtos financeiros diferentes.
O autor aponta então erros de concepção destes modelos: em geral não é tida em conta a dependência probabilística de acontecimentos (por exemplo, incumprimento de pagamentos), como se o sistema voltasse ao estado inicial a cada avaliação; os modelos são construídos com base em assunções de “normalidade” dos mercados, não sendo capazes de reflectir adequadamente situações “perturbadas” de funcionamento do sistema (como a actual crise). A estas dificuldades ainda se juntaria uma errada aplicação de controlo de risco, uma vez que dados errados acerca do mercado de hipotecas estavam a viciar o modelo matemático.
Sejamos sinceros, este artigo enche-nos de esperança: ao serem tratadas estas incorrecções dos modelos e voltando o sistema financeiro ao que era, poderemos estar mais descansados quanto à estabilidade da nossa economia. E não é verdade que estes empréstimos arriscados eram a forma de proporcionar um maior consumo às famílias e com isso aumentar o seu nível de vida? É esta passividade “cientifizante” face ao fundo político da crise que prentendemos questionar, uma vez que este artigo toma (necessarimente) tanto partido quanto os moralistas que acusam os gananciosos banqueiros.
Reenquadremos isto (um pouco)
Estão a lembrar-se deste livro?
A ciência no seu caminho de criar concepções racionais de interpretação e previsão dos fenómenos naturais, encontra logo de inicio um problema: o Universo é uno, todos os fenómenos estão interconectados entre si. Por motivos práticos, é naturalmente necessário isolar um fenómeno para o poder estudar. É fundamental saber isolar o fenómeno em estudo sem lhe retirar interdependências dominantes. Fácil de compreender isto com um exemplo: para se prever a temperatura em Lisboa amanha, é completamente supérfluo o movimento das placas tectónicas, mas já não o é a humidade no ar.
Não ficamos admirados em notar que esses modelos matemáticos, usados para maximização do lucro por via financeira, cometem logo o erro de isolar os processos para o lucro sem ter em conta que o capital é uma relação social. É a ciência, dada muitas vezes como imparcial na luta de classes, a demonstrar como cega perante os interesses da classe dominante. Perdendo assim a sua função de interpretar e prever os fenómenos para melhorar as condições de vida ao conjunto da humanidade.
É importante relembrar que o avanço das forças produtivas devido às conquistas da ciencia e da técnica só poderão ser um progresso social efectivo, se houver condições políticas para tal, e para isso é necessário alterar o objectivo social dominante.