Este post apresentará alguns exemplos da aplicação da Dialéctica expostos em Anti-Dühring. Para uma melhor compreensão sobre o tema, aconselho a (re)ler o post Materialismo Dialéctico: Leis da Dialéctica (2). As transcrições[1] serão relativas à Lei da Negação da Negação.
No Reino Vegetal
Todos os dias, milhões de grãos de cevada são moídos, cozidos, e consumidos, na fabricação de cerveja. Mas, em circunstâncias normais e favoráveis, esse grão, plantado em terra fértil, sob a influencia do calor e da unidade, experimenta uma transformação específica: germina. Ao germinar, o grão, como grão, se extingue, é negado, destruído, e, em seu lugar, brota a planta, que, nascendo dele, é a sua negação. E qual é a marcha normal da vida dessa planta? A planta cresce, floresce, é fecundada e produz, finalmente, novos grãos de cevada, devendo, em seguida ao amadurecimento desses grãos, morrer, ser negada, e, por sua vez, ser destruída. E, como fruto desta negação da negação, temos outra vez o grão de cevada inicial, mas já não sozinho, porém ao lado de dez, vinte, trinta grãos.
Onde a frequência da repetição do fenómeno da negação é maior, é mais óbvia a observação do desenvolvimento preconizado pelo organismo. Engels exemplifica
Se tratarmos a semente [duma dália ou orquídea] e a planta que dela brota, com os cuidados da arte da jardinagem, obteremos como resultado deste processo de negação da negação, não apenas novas sementes, mas sementes qualitativamente melhoradas, capazes de nos fornecer flores mais belas; cada repetição deste processo, cada nova negação da negação, representará um grau a mais nesta escala de aperfeiçoamento.
No Reino Animal
Engels dá aqui o exemplo das mariposas:
Nascem, estas, também, do ovo, por meio da negação do próprio ovo, destruindo-o, atravessando depois uma série de metamorfoses até chegar à maturidade sexual, se fecundam e morrem por um novo ato de negação, tão logo se consume o processo de procriação, que consiste em pôr a fêmea os seus numerosos ovos.
Assim, ele reforça com exemplos do reinos do mundo orgânico o fundamento da Lei da Negação da Negação.
Na Geologia
Toda a geologia não é mais que uma série de negações negadas, uma série de desmoronamentos de formações rochosas antigas, sobrepostas umas às outras, e de justaposição de novas formações. A sucessão começa porque a crosta terrestre primitiva, formada pelo resfriamento da massa fluida, vai-se fracionando pela ação das forças oceânicas, meteorológicas e químico-atmosféricas, formando-se, assim, massas estratificadas no fundo do mar. Ao emergir, em certos pontos, as matérias do fundo do mar à superfície das águas, parte destas estratificações se vêm submetidas novamente à ação da chuva, às mudanças térmicas das estações, à ação do hidrogênio e dos ácidos carbônicos da atmosfera; e a essas mesmas influências se acham expostas as massas pétreas fundidas e logo depois esfriadas que, brotando do seio da terra, perfuram a crosta terrestre. Durante milhares de séculos vão se formando, dessa forma, novas e novas camadas que, por sua vez, são novamente destruídas em sua maior parte e, algumas vezes, são utilizadas como matéria para a formação de outras novas camadas.
Na Matemática
Tomemos uma qualquer grandeza algébrica, por exemplo a. Se a negarmos, teremos -a (menos a). Se negarmos esta negação, multiplicando -a por -a, teremos +a2, isto é, a grandeza positiva da qual partimos, mas num grau superior elevada à segunda potência. Mas aqui não nos interessa que a este resultado (a2) se possa chegar multiplicando a grandeza positiva a por si mesma, pois a negação negada é algo que se acha tão arraigado na grandeza a2, que esta encerra, sempre e de qualquer modo, duas raízes quadradas, a saber: a do a e a do -a. E esta impossibilidade de nos desprendermos da negação negada, da raiz negativa contida no quadrado, toma, nas equações dos quadrados, um carácter de evidência marcante.
Agora um exemplo em calculo diferencial:
Começamos, então, por diferenciar as duas grandezas, x e y isto é, por supor que são tão infinitamente pequenas que desaparecem, comparadas com qualquer outra grandeza real, por pequena que seja, não restando, portanto, de x e y nada mais que sua razão ou proporção, despojada, por assim dizer, de toda a base material, reduzida a uma relação quantitativa da qual se eliminou a quantidade dy/dx, isto é, a razão ou proporção das duas diferenciais de x e y, se reduz, portanto, a 0/0, mas esta fórmula – nada mais é que a expressão da fórmula y/x. (…) Mas o que se fez senão negar x e y, negar, como a metafísica que omite e prescinde do que nega, senão negar de modo conforme com o caso presente? Substituímos as grandezas x e y pela sua negação, chegando, assim, em nossas fórmulas ou equações a dx e dy. Isso feito, seguimos nossos cálculos operando com dx e dy como grandezas reais, embora sujeitas a certas leis de exceção e ao chegar a um determinado momento, negamos a negação, isto é, integramos a fórmula diferencial, obtendo novamente, em vez de dx e dy, as grandezas reais x e y. E, ao fazê-lo, não tornaremos a nos encontrar no ponto do qual partimos, mas teremos resolvido o problema contra o qual se debateram, em vão, por outros caminhos, a geometria e a álgebra elementares.
Na Filosofia
A filosofia antiga era uma filosofia materialista, porém primitiva e rudimentar. Esse materialismo não seria capaz de explicar claramente as relações entre o pensamento e a matéria. A necessidade de se chegar a conclusões claras a respeito desse problema, levou à criação da teoria de uma alma separada do corpo e logo depois se passou à afirmação da imortalidade da alma e, por fim, ao monoteísmo. Desse modo, o materialismo primitivo se via negado pelo idealismo. Mas, com o desenvolvimento da filosofia, também o idealismo se tornou insustentável e, por sua vez, teve de ser negado pelo materialismo moderno. Este não é, entretanto, como negação da negação, a mera restauração do materialismo primitivo, mas, pelo contrário, corresponde à incorporação, às bases permanentes deste sistema, de todo o conjunto de pensamentos, que nos provêm de dois milênios de progressos no campo da filosofia e das ciências naturais e da história mesma destes dois milênios. Não se trata já de uma filosofia, mas de uma simples concepção do mundo, de um modo de ver as coisas, que não é levado à conta de uma ciência da ciência, de uma ciência à parte, mas que tem, pelo contrário, a sua sede e o seu campo de ação em todas elas. Vemos, pois, como a filosofia é, desse modo,”cancelada”, isto é,”superada ao mesmo tempo que mantida”; superada, com relação à sua forma; conservada, quanto ao seu conteúdo.
O próximo post continuará com mais dois exemplos da Negação da Negação, onde em ambos, o desenvolvimento das forças produtivas tem um papel directo.
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[1] Todas as transcrições foram retiradas de Capítulo XIII – Negação da Negação.
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