Grandes Livros – «Esteiros» de Soeiro Pereira Gomes

No final de 2011 escreveu-se três posts aqui no blog sobre Esteiros.

Este documento feito pela RTP que agora partilho (clicar na imagem abaixo), serve para espicaçar novamente para a leitura deste grande livro, um dos que mais gostei de ler.

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O vídeo dá um contexto histórico que não foi feito aqui nos textos do blog. Também localiza no espaço, em Alhandra, a realidade em que se baseia o livro, algo que em post passado só se referira ter sido algures junto ao Tejo. De resto, muito mais factos interessantes não escrevo, mas são revelados pelo documentário da RTP.

Fica o convite a clicar na imagem acima para visionar o vídeo.

O Poder das Eleições

O poder não é dado por umas eleições ou um referendo. O poder é uma relação social. Ele é equilibrado ou desequilibrado de acordo com a dinâmica das relações sociais entre classes, e a concretização de determinadas políticas são ou não possíveis resultado disso. As próprias eleições são uma conquista/concessão resultante dessa dinâmica. Sem dúvida que um processo eleitoral pode permitir a uma classe não dominante subir formalmente ao poder de um Estado ou qualquer outra organização, mas isso não significa necessariamente que detém o poder. Na Grécia, país da União Europeia, isso começa a ficar cada vez mais evidente. O povo elegeu um governo anti-austeridade, mas o real poder é “austero”.

Há tempos ouvia com atenção um homem de direita alegar que se o governo português foi eleito pela maioria dos portugueses, então deveria poder executar as suas políticas livremente. Isso para ele é que seria uma verdadeira democracia. E acrescentava que os sindicatos não se deviam meter, pois quem foi eleito democraticamente foi o governo, e não eles. Indirectamente, este senhor assumia que o poder dado por eleições não é absoluto mas resultado de uma dinâmica social.

À esquerda do espectro político não são poucos aqueles que estão profundamente iludidos pelos actos eleitorais. Admitem como natural que seus partidos sejam quase meramente eleitoralistas, abdicando quase por completo transformar a referida “dinâmica social”, fortalecendo o proletariado até se tornar poder dominante. Acreditam que tais partidos eleitoralistas são revolucionários! Assim, no fundo, pensam que nos palácios e gabinetes do poder formal está o poder concreto. Esta é uma das facetas do esquerdismo.

Há tempos atrás, numa manifestação organizada pela CGTP, um grupinho “radical” queria subir a escadaria e entrar à força no Palácio de São Bento, onde se reúne a Assembleia da República, para tomar o poder. Chegados lá dentro, fariam o quê? Achavam eles que todas as outras organizações do Estado submetidas à AR iriam acatar as suas leis e decretos?! O Palácio de Belém são apenas paredes e o poder não é dado por elas. Acreditam eles que são revolucionários!

O sufrágio universal é uma conquista importantíssima e uma oportunidade imperdível para a elevação da luta de massas, mas a sua importância e contexto tem de ser devidamente analisada, não podendo ser os actos eleitorais o alfa e ómega da militância política para quem compreende que a revolução é um objectivo necessário à transformação da sociedade.

A revolução não se faz, organiza-se! – para bom entendedor…

Os Camaradas (I Compagni) 1963

Comentário do Chico – My Two Thousand Movies*:
O cenário é uma fábrica têxtil em Turim, no final do século XIX. Cerca de 500 trabalhadores suportam turnos de 14 horas, debaixo de situações extremas, desde o calor, poeira, o perigo de sofrer um acidente de trabalho, e são mal pagos. Um dos trabalhadores fica com a mão mutilada por uma máquina, situação que serve de impulso para que os outros, pelo menos, pensem mudar as condições de trabalho. Talvez graças à sorte ou ao destino, um professor e socialista chamado Sinigaglia (Marcello Mastroianni) está de passagem pela cidade (em fuga de crimes políticos), e oferece uma ajuda na organização dos trabalhadores. Segue-se uma greve, que se arrasta por várias semanas, testando a vontade dos trabalhadores…

Esta sinopse faz o filme parecer mais um melodrama sobre as más condições das classes trabalhadoras. Na realidade, é muito mais do que isso, e o que o faz ser tão brilhante e surpreendente é a forma como é apresentado, tornando-o também numa obra de entretimento. Além da tragédia, também há um pouco de romance, comédia, farsa, comentário social. O argumento e o trabalho de realização fazem um trabalho magistral, ao desenvolver várias personagens em vários sub-plots numa história bastante multidimensional. A maioria dos filmes politicamente orientados são polémicos, o que por vezes os distancia do grande público. “I Compagni” é tão envolvente, tão animado, tão cheio de personagens vibrantes, que o aspecto da mensagem da história funciona a um nível quase sublimar.

Mario Monicelli (mais conhecido no território da comédia) e o produtor Franco Cristaldi tiveram de ir até à Jugoslávia para encontrar uma fábrica em pleno funcionamento, com as suas dezenas de teares movidos por um motor a vapor, e activados por eixos de transmissão. O edifício da fábrica parece um acidente prestes a acontecer. Com figurinos e cenários tão rigorosamente preparados e um look típico do século XIX a ser muito bem mantido, desde os quartos baratos alugados pelo trabalhadores, aos restaurantes chiques onde Niobe encontra os seus clientes.

Refira-se que o filme foi nomeado para o Óscar de Melhor Argumento Original, em 1965.


O meu comentário:

As greves surgem e propagam-se onde surgem e se propagam grandes fábricas. E mesmo nos países desindustrializados, como Portugal, as greves são mais frequentes no locais onde há maiores concentrações de trabalhadores.Como explicar este fenómeno? De facto o capitalismo conduz necessariamente ao choque entre os operários e os patrões, e onde a produção se torna grande produção a luta desenvolve-se necessariamente para a luta grevista.

Como e por que motivo isso ocorre? Expliquemos mais detalhadamente.

O capitalismo é um sistema de sociedade em que os meios de produção (terra, fábricas, instrumentos de trabalho, etc.) são propriedade de um pequeno grupo de pessoas – agrários e capitalistas -, enquanto a grande massa do povo não possui nenhum ou quase nenhum meio de produção. Os capitalistas empregam os trabalhadores e obrigam-nos a produzir determinado produto ou serviço que vendem no mercado. Em troca os trabalhadores recebem apenas parte do valor que produziram – é o salário. A outra parte da riqueza produzida por eles, que sobra da venda do produto vendido, fica na mão do patrão. É desta parcela alienada do trabalho dos trabalhadores que resulta o “Deus” da nossa sociedade: o lucro. Todos sabemos que quanto menos um patrão pagar de salários, maior é o seu lucro. Quanto maior for o salário dos trabalhadores, melhores condições de vida estes usufruem para si e para os seus filhos. É um mundo de liberdades: o capitalista é livre de procurar o trabalhador que queira, e por isso procura o mais barato; o trabalhador é livre de vender a sua força de trabalho ao patrão que queira, e por isso procura o que lhe pague mais. Portanto, o operário está sempre a regatear com o patrão, luta com ele por causa do salário.

Contudo, pode um operário, ou qualquer outro tipo de trabalhador, travar esta luta sozinho? Por motivos que não cabe a este post desenvolver, o capitalismo torna cada vez maior a massa de seres humanos caídos em ruina. O desenvolvimento técnico não é colocado em prol da sociedade em geral, mas em prol da classe dominante que a tudo submete em nome do lucro. Por isso, o desenvolvimento técnico, e consequente aumento da produtividade, é causa de mais desemprego ao invés de proporcionar à massa trabalhadora mais tempo livre. Logo, um exército de desempregados cada vez maior e mais desesperados se predispõem a salários e condições cada vez mais degradantes.

A progressiva ruina do povo chega a um grau em que por todo o lado há sempre massas de desempregados, então o trabalhador isolado torna-se imponente perante o capitalista. Há sempre alguém com a necessidade de ocupar o seu lugar. Isolados, os trabalhadores tornam-se presa fácil. O capitalista adquire a possibilidade de esmagar completamente os trabalhadores, empurrá-los para condições de trabalho e sociais dignas do séc. XVIII, jornadas de trabalho sem limite de tempo, e de sol a sol, crianças de 8 anos a descer as minas, praças de jorna, falta de cuidados de saúde, fome…

O filme de hoje torna a resposta a esta situação evidente. O operário, vendo que sozinho cada um deles é completamente impotente, ameaçados de parecer sob jugo do capital, aprendem o valor da unidade e da greve. Os operários têm necessariamente de se defender em conjunto, organizar greves para impedir a queda dos salários ou fazê-los subir.

A princípio é frequente os operários não compreenderem muito bem o que significa, nem o que fazer numa greve. Apenas querem fazer sentir a sua indignação, sem consciência que têm o poder nas mãos, e um mundo a ganhar. A verdade dura e crua para a burguesia é esta: nenhumas riquezas trarão qualquer benefício aos capitalistas se estes não encontrarem trabalhadores dispostos a aplicar o seu trabalho aos instrumentos e materiais deles e a produzir novas riquezas. Quando a greve faz parar as máquinas, a construção das casas, o cultivo das terras, os caminhos-de-ferro e rodoviários, a importância e poder do trabalho fica à vista de todos. É então que o outrora dócil e calado operário, que nunca contradiz o patrão, proclama em voz alta as suas reivindicações e direitos, lembra aos patrões todos os tipos de perseguição de que foram alvos, e de punho fechado pensa em todos os seus colegas em greve e não apenas em si próprio.

Tal como o filme de hoje ensina, não há necessidade de hoje abdicarmos dos conhecimentos aprendidos pelos nossos antepassados em luta. É então que no filme um espectro de Tom Joad – ver post do filme anterior – surge, um professor enviado pelos “vermelhos” para ajudar a organizar a luta dos operários. Pois, sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário. Muito ajudou o saber deste experiente sindicalista vindo de fora, para elevar qualitativamente a acção grevista deste operário do filme. É que fazer uma greve não é nada fácil. Nada mais acrescentarei, o resto fica dito pelo próprio filme. E que filme! Uma verdadeira preciosidade.


Filme Completo
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As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath) – 1940

Comentário do Chico – My Two Thousand Movies*:

Quando Tom Joad (Henry Fonda), regressa para a sua quinta no Oklahoma, depois de quatro anos na prisão, descobre que já nada é o que era. Estamos na década de 30, vive-se a depressão, e a sua família perdeu a casa e a quinta para o banco. Assim começa uma jornada incrível para Tom, ao ver a injustiça social à sua volta, ele muda de um pequeno criminoso para um sindicalista.

“As Vinhas da Ira” é um filme monumental feito por um realizador monumental, John Ford, baseado num livro brilhante de outra figura monumental, John Steinbeck. As verdades estabelecidas no livro e no filme, podem ser tão verdadeiras hoje como eram então. Tom leva a sua família em busca de trabalho e a promessa de uma vida melhor, na califórnia, mas tudo o que encontra são mentiras, corrupção policial, e exploração empresarial dos trabalhadores desesperados. Uma situação muito parecida com a dos trabalhadores migrantes provenientes do México e América Central, em busca do suposto sonho americano. Interessante, o argumento, adaptado por Nunnally Johnson, é, na realidade, muito mais optimista que o livro. O filme oferece alguns vislumbres de esperança ao clã Joad, e oferece alguma cor à escuridão que é o livro (assim como a algumas idéias políticas mais extremas).

Há um toque de sentimentalismo em “As Vinhas da Ira”. É apenas uma sugestão, e nunca é um factor detractor dentro do filme. Os actores nunca permitem que o argumento de Johnson se torne demasiado sentimental. Os olhos sondantes de Henry Fonda, a mágoa do sorriso de Jane Darwell, o olhar vago de Dorris Bowden, e o rosto de derrotado de Frank Darien estão sempre presentes para atirar qualquer sentimentalismo para o lado. Ou, pelo menos, para garantir que o sentimentalismo seja merecido. Se houver qualquer sentimentalismo é gerado pela dureza que os seus personagens enfrentam em cada frame.

John Ford ganhou com este filme o seu segundo Óscar para melhor realizador, e, “As Vinhas da Ira, está certamente, entre as melhores obras do realizador.


O meu comentário:

Primeiro, agradeço desde já o convite do Chico para este ciclo. Sinto-me honrado por fazer um pouco parte do M2TM. O azar é vosso que vão gramar com alguns textos meus. Espero que gostem.

Nós, trabalhadores, somos todos operários em construção. Seja de fato-macaco ou engravatado, de tijolo ou software na mão, trolha, carpinteiro, designer, arquitecto, gestor, engenheiro, professor, agricultor, somos todos operários em construção. Tudo o que é construção humana é obra das nossas mãos. Inclusivamente o lucro dos patrões. Mas compreendê-lo não é fácil, as respostas não se encontram na superfície das coisas, é preciso reparar, pensar e ir à raiz das coisas. Muitos de nós, trabalhadores, por falta de coragem, honestidade ou de oportunidade, nunca chega sequer a construir-se e desvendar a raiz social do seu próprio ser.

Sendo um filme produzido por um grande estúdio de Hollywood e vencedor de dois Óscares, surpreendeu-me a sensibilidade demonstrada num ponto em particular. É certo que há muitos filmes que mostram as condições de vida dos trabalhadores, mesmo explicitamente, mas neste caso há um pormenor que normalmente só quem adere à luta percebe: a aprendizagem. Para tal sensibilidade, presumo, muito terá contribuído livro homónimo de John Steinbeck.

Tom Joad, personagem principal, ingénuo politicamente ao início, é também ele um operário em construção. Vítima das contradições do capitalismo num momento histórico particularmente difícil e violento à vida humana – a Grande Depressão -, ele vive com a sua família um conjunto de experiências que lhe permite ganhar rapidamente uma consciência social que o incita lutar por justiça ao lado dos oprimidos.

O filme tem uma narrativa cujo ritmo pode não agradar a um espectador mais impaciente, imediatista, mas é extremamente rico em conteúdo, e por isso, mais que poder ver e ouvir, é preciso que o espectador se desafie a reparar. É que durante o filme várias temáticas são explicita ou implicitamente abordadas: a natureza de classe das leis e das autoridades (sempre em favor do capital e da propriedade privada), a importância das greves e da união dos trabalhadores, o desenvolvimento da corrupção moral dos homens perante o medo do desemprego, da fome, da falta de habitação, pois os trabalhadores e suas famílias ficavam frequentemente a habitar nos casebres das fábricas e latifúndios, emprestados pelos patrões que os chantageavam com o desalojamento, e aborda assuntos como a jorna, a migração… E Tom Joad não chega a perceber o porquê da miséria e da injustiça, está ainda confuso, em construção. Mas percebe o suficiente para se colocar do lado certo da barricada e que é necessário lutar.

O herói deste filme chama-se Tom como se poderia chamar Joe Hill, o seu nome cantado ou não, é como um espectro que ronda onde quer que haja injustiça e alguém que a combata.

Andarei por aí no escuro. Estarei em toda a parte para onde quer que olhem. Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, estarei lá. Onde quer que haja um polícia a espancar alguém, estarei lá. Estarei nos gritos das pessoas quando se zangam. Estarei nos risos das crianças quando têm fome e as chamam para jantar. E quando as pessoas comerem aquilo que cultivam, e viverem nas casas que constroem. Eu estarei lá, também.

por Bruno – Leitura Capital*.

Filme Completo
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Ciclo de Cinema: Consciência de Classe e Luta

(Ciclo em parceria com My Two Thousand Movies)

Anda um espectro pelo My Two Thousand Movies…

Há uma tendência balofa de se considerar os humanos que vivem neste tempo histórico mais especiais que os seus antepassados. Mas não somos seres de excepção, apenas vivemos agora e não antes. A história de toda a sociedade até aqui – pelo menos desde a invenção da escrita – é a história da luta de classes, e assim continua a ser. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, isto é, opressores e oprimidos, estiveram ininterruptamente em conflito, transformando no confronto a sociedade até a revolucionarem, e dessa nova ordem social germinaram novas classes sociais, chegando a humanidade até ao modo de produção social que hoje vivemos. Quer gostemos ou não de aceitar a ideia, o nosso tempo não é uma excepção histórica e continua a ser constituído por diferentes classes sociais e em mútua oposição.

A nossa época, a época da burguesia, classe que – outrora progressista – ao tornar-se predominante fez desaparecer o velho feudalismo, pariu das suas entranhas o seu próprio coveiro: o proletariado. Esta nova classe social que se confronta naturalmente com o seu criador, quando se tornar ela própria na classe predominante, será a obreira da futura sociedade humana, feita à sua imagem e semelhança.

Contudo, a nossa sociedade, mantida sob o poder predominante da agora conservadora burguesia, tem uma necessidade fundamental: o lucro. Dessa sua suprema busca pela maximização das taxas de lucro, algo profundamente conservador contamina quase tudo o que existe, o Cinema incluído. Não é por acaso que os filmes que mais frequentemente passam nas TVs e salas de cinema são os que são. O entretenimento pelo entretenimento predomina. A superficialidade segura o status quo. A arte e tudo aquilo que obriga a reflexão soa-nos imediatamente a algo diferente e precioso.

O My Two Thousand Movies é uma criação da sociedade burguesa, só possível graças à frenética evolução da técnica que o capitalismo permitiu à humanidade, nomeadamente as novas tecnologias relativamente à reprodução da arte e a sua distribuição, mas é também, e sobretudo, parte do coveiro desta sociedade que lhe permitiu poder existir e um suave cheiro a novo mundo. Pois o M2TM é, pela difusão da memória cinematográfica que promove, parte daquilo que consideramos e sentimos como diferente e precioso.

No confronto entre a burguesia e o proletariado, refina-se tanto a opressão como a resistência, os trabalhadores aprendem, matura-se a luta. O M2TM com este ciclo, querendo ou não, tenha ou não consciência disso, é resultado dessa mesma maturação e toma partido claro pelo proletariado, ou não fosse essa a classe social do Chico, da minha, e da esmagadora maioria dos seus fãs. Ou não fosse esse o partido que se toma aquando da reflexão e maturação feita a partir da vida, nomeadamente com a fruição de uma arte tão completa como é a dos filmes, e que o M2TM nos proporciona. Este ciclo – Consciência de Classe e Luta – que terá lugar nos próximos dias, festejando o 25 de Abril e o 1º de Maio, é o corolário de tudo isto.

A luta pela distribuição e fruição da cultura no qual o M2TM participa e que o torna precioso, está directamente ligado à luta proletária. Do outro lado da barricada a burguesia responde com a capitalização das limitações ao acesso à arte. Toda a superstrutura, desde as leis, a polícia, os média, que hoje estando maioritariamente na mão da classe dominante, pelo capital monopolista, levantam de forma mais ou menos aberta uma caçada a quem ameace a capitalização do acesso às artes e, exemplo disso, foi o apagão ao M1TM. É assim a luta de classes: tenhamos ou não consciência dela, ela encontra-se directa ou indirectamente em todas as nossas pequenas e grandes acções do dia-a-dia.

Pois é! O proletariado é a classe progressista do nosso tempo histórico. É a classe social que tem na sua génese o potencial de negar a sociedade da burguesia – o capitalismo – e construir o futuro. Como sujeito histórico tem uma hercúlea luta pela frente contra a burguesia. O choque é inerente a ambas, sem fuga possível. Ora, imaginem como seria se tivéssemos todos consciência da posição e do papel histórico que temos como proletários! Não foi por acaso que Bento de Jesus Caraça escreveu, entre outros pontos, que um homem culto é aquele que «tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence». O My Two Thousand Movies não podia festejar melhor o 25 de Abril e o Primeiro de Maio, desafiando desta forma os seus fãs a reflectir por via cinematográfica a sua condição e posição no cosmos, em particular, na sociedade em que vivemos.

O desafio começa amanhã: Ciclo Consciência de Classe e Luta!

Centenário de Álvaro Cunhal

Pela segunda vez neste blog o dia em que nasceu Álvaro Cunhal serve como desculpa para publicar um post. Há dois anos atrás este texto revela um bocado do que penso sobre ele. A citação é interessantíssima, na minha opinião. Hoje, a propósito dos festejos do centenário, trago aqui um vídeo que há tempos editei. Álvaro Cunhal fala do sonho humano sobre a humanidade, e como se desenvolveu ao longo da História.

do desigual acesso das classes à liberdade

Especula-se abertamente o nome da figura que executará a salvação nacional. Júdice volta aos seus tempos de antigamente e diz o que todo o bom burguês almeja. Na rua apoiam-se soluções de força, ignorando em falsa consciência que esta se exercerá sobre os reclamantes. O PS mantém as suas abstenções violentas, com o presidente a desmentir as suas posições.

A última greve geral teve momentos caricatos: à porta da Vimeca, em Queluz de Baixo, a polícia atuou sob as ordens dos capatazes, confrontando fisicamente o piquete por cada autocarro que saía. Ao longo da estrada principal montara barreiras para impedir a circulação de pessoas por outro local que não os passeios, impedindo assim cortes de estrada. Os mais jovens do piquete, afoitos, eram arrastados do chão pela força de segurança pública, cujo número não parava de aumentar e cujos desígnios eram sobejamente privados. Os poucos funcionários da empresa e os delegados sindicais que integravam aquele piquete popular queixavam-se das pressões enormes sobre os trabalhadores todos os dias e contavam o seguinte: a empresa empenhava-se naquela madrugada em colocar os autocarros na rua, mas a meio da manhã era expetável que em boa parte os mandasse recolher, pois arrastar-se-iam vazios por filas de automóveis.

Talvez a liberdade nas instituições de domínio de classe esteja a ser agora posta em causa. Mas dada a repressão que se abate sobre os trabalhadores, há muito que estes sentem que, no regime atual, ela não passa de uma ilusão. Com as consequências que daqui possam advir.

A salvação do capital e a suspensão da democracia burguesa

A crise política é uma narrativa muito apropriada para a consecução do programa neoliberal, ao ritmo atual, nem que seja por mais alguns meses. Talvez até ao fim do atual resgate financeiro.

Entenda-se que não partilho das ideias de conspiração ao mais alto nível do poder, com o objetivo de manter a austeridade. Penso antes que existe um alinhamento estratégico entre os partidos do memorando, como a votação das propostas do BE acerca da dívida anteontem demonstrou. Um alinhamento que também é simbólico no respeita à inepta condução dos papéis das figuras do Estado: antes Coelho e Portas, depois Cavaco, agora Esteves. Os seus atos descredibilizam as instituições eleitas, num clima de fin de régime mal decalcado da 1ª república.

Acontece que, presentemente, todo o tempo de destruição do Estado Providência é mais eficiente, em relação aos seus objetivos, do que a atitude de resistência que tivemos e teremos de adotar. Assim, há que perceber que a manutenção desta política, seja sob que forma for ou com que credibilidade governativa houver, tem implicações concretas no futuro do país. Ainda hoje saiu em Diário da República mais umas contribuições regulatórias tendo em vista a privatização do tratamento de resíduos. Esta política não está moribunda e não há, portanto, razões para comemorar o espetáculo de apodrecimento do governo.

Por fim, a “salvação nacional” não serviria para clarificar as posições dos partidos – de resto, a própria convocatória de Cavaco é dirigida só à troika interna, o arco de governação. O que se verifica é que o problema passou do Cavaco para o PS: este pretende continuar a jogar à alternância governativa quando o avanço do programa neoliberal exige a unidade dos dirigentes face ao descontentamento que grassa na população austerizada. Neste sentido, o PS não pode continuar à espera que o pote lhe caia no colo e a democracia liberal tem, assim, que ser “suspensa”. A bem da nação.

Cavaco – que, mais uma vez, se exime das suas responsabilidades – expôs a verdadeira face do regime-ilusão democrática.

O absurdo de haver mais casas vazias do que sem-abrigo

Nos Estados Unidos da América proliferam desde o início da chamada crise imobiliária as cidades tenda. Cálculos conservadores estimam que cerca de 2,2 milhões de devedores perderam suas casas por causa da crise hipotecária iniciada em 2007 [ver: 1 e 2]. Neste país ocorre uma situação absurda, pois há casas desocupadas suficientes para acomodar todos os sem-abrigos e mais os que perderam as suas casas,

Agora, em Portugal, surgem as notícias sobre os resultados definitivos dos últimos Censos e tivemos, este fim-de-semana, a oportunidade de ver uma reportagem sobre os dados estatísticos relativos à habitação [1].

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Em 2011 – segundo os Censos [link] – os alojamentos clássicos distribuíam-se do seguinte modo: 3 991 112 residências habituais, 1 133 300 residências secundárias ou de uso sazonal e 735 128 vagos, representando respetivamente 68,2%, 19,3% e 12,5% do parque habitacional.

Como se vê nas imagens da reportagem, existem considerados como barracas e improvisados 16.460 alojamentos. Não consegui achar informação que me esclarecesse o que seria exactamente alojamentos improvisados, mas recordo-me perfeitamente que no preenchimento dos papeis do Censos de 2011, alguém que vivesse numa gruta não era considerado como sem-abrigo. Talvez essa estrita definição de sem-abrigo esteja relacionado com o conceito de alojamento improvisado.

Em 2011 a dimensão média das famílias era de 2,6 pessoas, pelo que não estará muito errado concluir que cerca de 42.796 pessoas vivam em condições de habitação definidas como barracas ou alojamentos improvisados, além dos restantes 696 que ainda vivem acima das suas possibilidades.

Note-se novamente o absurdo:
Em Portugal existem 735.128 casas vazias ao mesmo tempo que cerca de 16.460 pessoas vivem em alojamentos precários e 696 são reconhecidos sem-abrigo.

Este absurdo leva-nos a questionar sobre os nossos valores. E surpreende-me que haja tanta gente que perante ocupações de prédios devolutos, defenda e sobreponha o direito à propriedade privada acima do direito humano e constitucional à habitação digna.

A esta situação absurda de haver sem-abrigos em simultâneo com milhares de casas vazias, Engels, em Para a Questão da Habitação, não faz qualquer referência explícita, nem faria sentido fazê-lo naquela época em que o problema fundamental era a falta de casas em relação à população das cidades. No entanto, ele como marxista vai à raiz do problema, tal como se pode ler nas citações transcritas no primeiro post, onde diz ele que “não pode existir sem falta de habitação uma sociedade em que a grande massa trabalhadora depende exclusivamente de um salário”, pois o salário tem a natureza que tem – não cabe a este post referí-la – e portanto a «solução [para a questão da habitação, como de qualquer outro problema dos operários] reside, sim, na abolição do modo de produção capitalista, na apropriação pela classe operária de todos os meios de vida e de trabalho».

Podem alguns afirmar que isto não é um problema de classe, mas a esses então pergunto se já viram algum burguês sem-abrigo? Por acaso, agora, lembrei que já vi um, tinha acabado de encornar a mulher, mas voltou a ter tecto no dia seguinte; nisto, e somente nisto, foi tal e qual como o próprio repetia: “foi coisa de uma só noite”.

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[1] Jornal da Noite, TVI, entre os 7 e os 9 minutos, aqui.

Condições de Habitação, Artigo do Manchester Weekly Times, de 1872

Há dias passou na sic notícias um documentário acerca das condições de vida em vários países do “terceiro mundo”. Uma imagem impressionou-me particularmente. Uma família, vizinha de várias dezenas de outras na mesma situação, viviam em barracas por debaixo de uma ponte; imediatamente abaixo delas passava o rio. Frequentemente doentes por causa da humidade e frio filmaram-nos atravessando caminhos labirínticos naquele mini-bairro por debaixo da rodovia. Salvo erro, isto passa-se algures na Tailândia. Escuso de tentar descrever melhor o indescritível, mas um dos motivos da localização deste peculiar complexo habitacional é que imediatamente ao lado encontrava-se a lixeira, pelo qual, aquela família e maioria dos vizinhos obtinha parte do seu rendimento mensal diário.

Ora, isso não é um exclusivo de países do chamado terceiro mundo. Em Lisboa não é preciso muita atenção para encontrar sem-abrigos e habitações condições insalubres. Nos Estados Unidos proliferam as cidades tenda.

Isto não acontece por acaso,  consequência do que já foi referido neste blog há dois posts atrás, aqui.

Ora, esta introdução serve-me para partilhar descrição mais detalhada e impressionante sobre as condições de habitação em Para a Questão da Habitação, no século XIX, em Manchester. Ele encontra-se aqui no ponto III do capítulo Como Resolve a Burguesia a Questão da Habitação. Nada como ler esse sub-capítulo III na integra, mas a descrição que assina-lo neste post é o artigo do o Manchester Weekly Times, órgão da burguesia radical de Manchester, de 20 de Julho de 1872, que está em itálico.

Boa leitura.

Para a Questão da Habitação – Transcrição de um fantástico trecho

Há em todos os livros alguns trechos que merecem especial destaque, e sem mais justificações editoriais, aqui vos deixo este fantástico parágrafo em Para a Questão da Habitação de Engels:

Para Proudhon, em contrapartida, toda a revolução industrial dos últimos cem anos, o vapor, a grande produção fabril, que substitui o trabalho manual pelas máquinas e multiplica por mil a força de produção do trabalho, representam um acontecimento extremamente contrariador, algo que, propriamente, não deveria ter acontecido. O pequeno burguês Proudhon exige um mundo em que cada um fabrique um produto à parte, autónomo, imediatamente consumível ou trocável no mercado; se então cada um recuperar em outro produto o valor completo do seu trabalho, isso será suficiente para satisfazer a «justiça eterna» e fabricar o melhor dos mundos. Mas este melhor dos mundos de Proudhon foi logo calcado no embrião pelo pé do desenvolvimento progressivo da indústria, que há muito destruiu o trabalho individual em todos os grandes ramos da indústria e o destrói cada vez mais nos ramos menores, mesmo reduzidos, substituindo-o pelo trabalho social, apoiado em máquinas e nas forças dominadas da natureza e cujo produto acabado, imediatamente trocável ou consumível, é a obra comum de muitos indivíduos por cujas mãos ele teve de passar. E foi precisamente por meio desta revolução industrial que a força de produção do trabalho humano atingiu um nível tal que, com uma divisão racional do trabalho entre todos, existe a possibilidade — pela primeira vez desde que existem homens — não só de produzir o suficiente para um consumo bastante por todos os membros da sociedade e para um fundo de reserva abundante mas também para permitir a cada indivíduo ócios suficientes para que aquilo que, na cultura transmitida historicamente — ciência, arte, formas de convivência social, etc. —, merece verdadeiramente ser mantido, não só seja mantido mas também transformado e aperfeiçoado, deixando de ser monopólio da classe dominante e passando a ser bem comum de toda a sociedade. E aqui reside o ponto decisivo. Logo após a força de produção do trabalho humano se ter desenvolvido a este nível, desaparece todo o pretexto para a existência de uma classe dominante. É que a razão última com que se defendeu a diferença de classes foi sempre a de que tem de haver uma classe que não precise de cansar-se com a produção da sua subsistência diária, a fim de ter tempo de se ocupar do trabalho espiritual da sociedade. A raiz destes disparates, que tiveram até agora a sua grande justificação histórica, foi cortada de uma vez por todas pela revolução industrial dos últimos cem anos. A existência de uma classe dominante torna-se diariamente um obstáculo maior para o desenvolvimento da força produtiva industrial, bem como para o da ciência, da arte e, nomeadamente, das formas cultas de convivência! Nunca houve maiores labregos do que os nossos burgueses modernos.

A obra encontra-se em PDF e na integra, aqui.

Mas Proudhon era reaccionário?!

No artigo anterior chamei de reaccionário a Proudhon. Talvez por isso o meu vizinho de cima caiu da cama. Devido à queda do dorminhoco vejo-me na necessidade de esclarecer porque Proudhon foi reaccionário. Para o fazer, procurei saber mais, e fui ver o que dizia o Dicionário Político do MIA sobre o personagem histórico:

Ao criticar a grande propriedade capitalista de acordo com sua posição pequeno-burguesa, Proudhon aspira perpetuar a pequena propriedade privada, propunha organizar o Banco do Povo e o Banco do Câmbio, com ajuda dos quais obteriam os operários – segundo ele – seus próprios meios de produção, se converteriam em artesãos e assegurariam a venda “eqüitativa” de seus produtos. (MIA)

Sublinho: «se converteriam em artesãos».

O textos de Engels em Para a Questão da Habitação debruçam-se sobre todos os pontos acima transcritos, mas quero realçar o seguinte parágrafo:

Toda a concepção de que o operário deve comprar a sua habitação assenta por sua vez na reaccionária visão fundamental de Proudhon já assinalada de que as situações criadas pela grande indústria moderna são excrescências doentias e que a sociedade tem de ser levada pela força — isto é, contra a corrente que segue há cem anos — a uma situação em que o antigo e estável trabalho manual do produtor individual seja a regra, e que não é, em geral, mais do que uma reprodução idealizada da pequena empresa, já arruinada e que continua a arruinar-se. Só quando os operários estiverem de novo lançados nessa estável situação, só quando o «turbilhão social» tiver sido eliminado para bem, é que o operário poderá naturalmente fazer também de novo uso da propriedade da «casa e lar» (…). Só que Proudhon esquece que, para realizar isto, tem primeiro de fazer o relógio da história mundial andar para trás cem anos e que, desse modo, tornaria os operários de hoje de novo em almas de escravos tão limitadas, rastejantes e hipócritas como o foram os seus tetravôs. (Engels)

O leitor perante esta última frase pode ficar admirado por ver Engels a dizer que «tornaria os operários de hoje de novo em almas de escravos tão limitadas, rastejantes e hipócritas como o foram os seus tetravôs». Ora, contextualizo isso com um importante trecho escrito páginas antes:

Para criar a moderna classe revolucionária do proletariado era absolutamente necessário cortar o cordão umbilical que ainda ligava o operário do passado à terra. O tecelão manual, que, além do seu tear, tinha a sua casinha, hortazinha e campozinho, era, apesar de toda a miséria e de toda a opressão política, um homem tranquilo e satisfeito, «muito devoto e honrado», tirava o chapéu aos ricos, aos padres e aos funcionários do Estado e era, interiormente, um escravo de uma ponta a outra. Foi precisamente a grande indústria moderna, que faz do operário preso à terra um proletário fora-da-lei*, completamente sem posses e liberto de todas as cadeias tradicionais, foi precisamente essa revolução económica que criou as condições sob as quais somente a exploração da classe trabalhadora na sua forma última, na produção capitalista, pode ser derrubada. (Engels)

* Vogelfrei, no original alemão. Há aqui um jogo de palavras, pois o termo alemão significa “fora-da-lei” e “livre como um pássaro” (Nota da edição portuguesa.)

No próximo post voltarei ao tema, pois tenho um trecho fantástico do livro que merece ser transcrito e destacado.

Para a Questão da Habitação – F. Engels

Há algum tempo que um livro não me prendia tanto o interesse. Talvez por me interessar por Urbanismo, aquela que deverá ser a área mais interligada com as ciências sociais na minha formação académica. Nesta obra de 1872/1873, Engels apenas refuta as ideias proudhianas para a questão da habitação e não faz, ao contrário de alguns possam imaginar, qualquer divagação acerca de um projecto futuro de uma cidade e um modelo de organização social relativo à posse e uso das habitações.

Especular sobre como uma sociedade futura regulará a repartição da alimentação e das habitações conduz directamente à utopia. (Engels)

Surpreendeu-me pela negativa as posições de Proudhon. Conhecendo mal as suas ideias, guardava do que li, uma visão diferente da que tenho agora dele; via-o como um ideólogo progressista, apesar de inconsequente, mas não como um reaccionário. A ideia proudhiana apresentada era que a solução da questão da habitação consistiria em cada um se tornar proprietário, em vez de inquilino, da sua habitação, mas com uma solução que não era mais que o regredir da história para antes da revolução industrial! (ver post seguinte)

As descrições sobre as condições de habitação dos operários são poucas, mas impressionantes, e o paralelismo com os tempos de hoje são inevitáveis. Ao lê-las, veio à memória a situação dos emigrantes ilegais mexicanos nos campos do sul dos EUA, onde vivem em casas alugadas, sem posses além de pouca roupa e uma TV partilhada na atolada casa sem mobília; casa onde semanas depois abandonam para noutra paragem prosseguir na apanha de um outro fruto. Parece que nada mudou desde o século XIX. E as descrições sobre o desenvolvimento das cidades assemelham-se muito à situação em Lisboa antes do 25 de Abril, onde as camadas trabalhadoras da população eram empurradas do centro para a periferia da cidade em bairros de lata, incapazes também de acomodar os milhares de pessoas em êxodo vindos dos campos. Bairros de lata, com outros nomes, é o que não faltam na maioria das grandes cidades deste planeta.

Mas que leva à falta de habitação ou a habitações insalubres?

não pode existir sem falta de habitação uma sociedade em que a grande massa trabalhadora depende exclusivamente de um salário, ou seja, da soma de meios de vida necessária à sua existência e reprodução; na qual novos melhoramentos da maquinaria, etc, deixam continuamente sem trabalho massas de operários; na qual violentas oscilações industriais, que regularmente retornam, condicionam, por um lado, a existência de um numeroso exército de reserva de operários desocupados e, por outro lado, empurram temporariamente para a rua, sem trabalho, a grande massa dos operários; na qual os operários são maciçamente concentrados nas grandes cidades a um ritmo mais rápido que o do aparecimento de casas para si nas condições existentes, na qual, portanto, se têm sempre de encontrar inquilinos mesmo para os mais infames chiqueiros; na qual, finalmente, o proprietário da casa, na sua qualidade de capitalista, tem não só o direito mas também, em virtude da concorrência, de certo modo o dever de extrair da sua propriedade os preços de aluguer máximos, sem atender a nada. Numa sociedade assim, a falta de habitação não é nenhum acaso, é uma instituição necessária e, juntamente com as suas repercussões sobre a saúde, etc, só poderá ser eliminada quando toda a ordem social de que resulta for revolucionada pela base. (Engels)

As soluções de Proudhon e de outros ideólogos burgueses para o problema da habitação ignoravam a necessidade de revolucionar tal base – que é económica. Mas, o valente Proudhon, sempre que deixa escapar a conexão económica — e isto acontece nele com todas as questões sérias — refugia-se no campo do direito e apela para a justiça eterna. Outros, remetiam-se à moral e aos apelos.

Esta obra de Engels tem muitos outros trechos interessantes acerca de variados assuntos, como exemplo, o desenvolvimentos das leis na história, a natureza de classe do Estado e a sua relação com a habitação e a alimentação, a ausência de execução de ideias proudhianas em favorecimento das ideias do socialismo científico durante a Comuna de Paris, descrições de modelos experimentados na época para a resolução do problema da habitação, descrições jornalísticas sobre as condições de vida nas cidades, e claro, a da supressão da oposição entre a cidade e o campo.

Finalizando: a solução da questão da habitação:

enquanto o modo de produção capitalista existir, será disparate pretender resolver isoladamente a questão da habitação ou qualquer outra questão social que diga respeito à sorte dos operários. A solução reside, sim, na abolição do modo de produção capitalista, na apropriação pela classe operária de todos os meios de vida e de trabalho. (Engels)

A democracia, um engodo para os tolos? (Jean Salem)

Sexta passada acorri ao congresso Marx em Maio para assistir à intervenção do professor Jean Salem, cujo livro Lénine e a Revolução já abordámos por aqui anteriormente. Como não estivemos todos presentes, decidi colocar neste blog as notas que tirei dessa intervenção.

democracia em obras

Para além do livro já referido e de entrevistas ao autor que já havia lido, o título da sua comunicação destacava-se da maioria por convocar uma reflexão em termos correntes (“piège à cons” até remete para populismo, não?). E as minhas expetativas foram totalmente correspondidas: não só Jean Salem não se alongou em citações de outros autores, como o seu discurso era muito bem estruturado e ilustrado por diversos exemplos. O que poderia parecer um apanhado de curiosidades, sem nexo, era integrado numa análise do fenómeno eleitoral na sociedade burguesa visivelmente ancorado na perspetiva marxista – e isto sem recorrer a Marx a cada duas orações. (mais…)

“Os objectivos (…) não se alcançam reclamando-os, mas conquistando-os”

«No papel é fácil escrever e ao microfone é fácil gritar: “chegou a hora do assalto final!” Para o assalto final, não basta escrever ou gritar. É preciso, além de condições objectivas, que exista uma força material, a força organizada, para se lançar ao assalto, ou seja, um exército político ligado às massas e as massas radicalizadas, dispostas e preparadas para a luta pelo poder, para a insurreição (…) Os radicais pequeno-burgueses são incapazes de compreender que os objectivos fundamentais da revolução não se alcançam reclamando-os, mas conquistando-os.»

Álvaro Cunhal, «O Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista», 1970.

Para ler mais sobre este livro no blog, aqui.