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O Futebol

Portugal Vs Coreia do Norte (1966)

O futebol é um desporto fantástico. É espectacular assistir a uma partida quando bem jogado, e divertido de se jogar mesmo quando terrivelmente mal praticado. A benesse que tem para as pessoas a actividade deste desporto a nível físico, psíquico e social é tida pouco em conta, ele está absorto na predominância que o futebol profissional tem nas nossas sociedades.

Na rua, onde se improvisa campos de futebol e equipas de amigos e desconhecidos, no geral, sobressaem alguns dos mais levados comportamentos humanos, respeitam-se adversário, fazem-se amizades; o fair-play é impelido mesmo sem se tirar de vista o objectivo de vencer o jogo.

Podemos observar, assistindo ao Mundial, como corrompido está o espírito desportivo. Dentro do campo, o mais importante é não perder o jogo, por isso, é norma ver que após uma disputa de bola em que um jogador em falta magoa outro, ter apenas como prioridade retomar a sua posição em campo; ajudar o adversário a levantar-se é um acto cada vez mais raro de assistirmos. A nível físico, perde-se mais uma das benesses do desporto, são comuns os casos de jogadores que adiam o tratamento das suas lesões mantendo-se em competição.

É o trabalho e o negócio a ocupar o espaço do lazer e do desporto. Os jogadores de futebol estão como aquele fã de cinema que, passando a trabalhar como crítico, vê-se dentro duma sala, não pelo prazer de ver um filme, mas pela necessidade de escrever um artigo.

É talvez um pouco por tudo isto que tenho assistido com tédio a algumas partidas de muito mau futebol e, mais surpreendentemente, os próprios jogadores em campo parecem aborrecidos. Gosto de imaginar que seja por isso que, de inicio ao fim dos jogos, são apupados com o irritante som das vuvuzelas.

O Futebol é um jogo colectivo

Estátua de Cristiano Ronaldo

Com a ajuda dos média corrompe-se ainda mais o desporto. Um jogo colectivo como o futebol, cuja importância do jogo de equipa é enfatizado por todos os grandes treinadores, os média desenvolvem um patético culto a uns poucos de super-homens. Muitos destes, mesmo repetindo exaustivamente que o importante é a equipa, não deixam de transparecer que falam palavras vazias; e isso nota-se dentro e fora do campo.

Não ficaria surpreendido se os posters de alguns destes craques da bola em cuecas fossem mais vendidos que posters com os 23 jogadores da selecção campeã. Estes indivíduos que são endeusados pelos média e dados como referências de sucesso, são explorados por uns poucos “investidores” que ganham muitos milhões, e como prémio, estes bezerros de ouro ganham igualmente generosas quantias. O importante é que, tanto uns como outros, ganham estes muitos milhões às custas da exploração das necessidades de diversão e da alienação de muitos fãs de futebol. Poucos serão boas referências para uma sociedade mais justa.

O futebol é cheio de contradições

Sabemos que quem ganha é quem marca mais golos, mas no Mundial as equipas jogam normalmente a evitar sofrer golos, e não para marcá-los.

Outras contradições existem. O futebol abrange cada vez mais diferentes tipos de negócios e mais pessoas a participar na geração de riqueza, mas por outro, cada vez são menos aqueles que retêm o capital gerado.

O futebol negócio está de tal forma globalizado que se tornou comum os grandes clubes europeus contratarem crianças talentosas de África e da América-Latina para serem treinadas e mais tarde capitalizadas com a venda dos seus passes. Mas claro, é sempre bem melhor do que se lhes retirarem um rim – isto é já campeonato de outras máfias!

Coreia do Norte Vs Portugal

Confesso que só durante o jogo irei saber por qual destas selecções irei torcer.

De um lado temos uma selecção em que os chorudos prémios da FIFA vão sobretudo para o Estado. Do outro, esses prémios ficam para os jogadores, federação, e tenho receio em saber a que mais mãos irão parar. Em caso de vitória, os 30 milhões que a Federação ganharia, poderiam certamente a resolver a lista de espera na ala de ortopedia do Hospital São Francisco Xavier – é de 17 meses.

De um lado temos uma selecção que treinam em ginásios juntamente com o povo na África do Sul (Vídeo). Do outro, dispendiosos gastos em sessões de treino com os seus Navegantes de jacuzzi.

De um lado, temos uma selecção em que os jogadores demonstram um enorme fair-play, ajudam os adversários a levantarem-se nas quedas, sorriem com a sorte que têm de poder participar numa das maiores festas do planeta – um Mundial de Futebol. Do outro lado, poucos têm semelhante atitude; a maioria desfila os seus egos pelo relvado incapazes de reconhecer o que representam e o que poderiam representar.

Seja qual for o resultado da selecção portuguesa, isso não ajudará em nada a resolver as necessidades do nosso povo, ela não representa os portugueses mas antes os seus patrocinadores, pessoalmente, sinto-me mais próximo de uma equipa em que os jogadores jogam directamente em prol do seu pais, que treinam nas condições semelhantes aos comuns dos mortais, e a atitude em campo semelhante aos meus jogos de rua, do que a bezerros de ouro que durante todo o ano correm vestidos de placar publicitário enquanto chutam bolas ou vendem cuecas…

Jogadores da Coreia do Norte após o final do jogo com o Brasil...

Concluindo: durante o jogo, com gelo no menisco, os rins aconchegados no sofá, ficarei a saber se cedo a um acto de chauvinismo bacoco, ou à simpatia duma selecção que nada me dizia até há uma semana.

E que um dia o desporto se livre do jugo que o negócio lhe faz e corrompe.